Edgar Vianna de Andrade
25/12/2017 17:28 - Atualizado em 26/12/2017 15:04
“Nasce um trouxa por minuto”. A frase é atribuída a Phineas Taylor Barnum, típica figura dos Estados Unidos que nasce pobre e se torna milionário. O mercado tem sua história. Seria difícil um Barnum na Europa porque o capital sofria limitações dos remanescentes da nobreza feudal em pleno século XIX. Acredite se quiser. Nos Estados Unidos, não havia mais uma aristocracia de títulos, abrindo assim espaço para que se constituísse uma aristocracia do dinheiro.
A carreira de Barnum daria um excelente filme de época, mas virou um musical híbrido. As cidades, as casas, as roupas, os bombeiros, a rainha Vitória, no filme, representam o século XIX, mas o comportamento das pessoas não. De vigarista, Barnum (um Hugh Jackman que tenta se desvencilhar dos seus personagens macho alfa) torna-se um sonhador idealista que tenta deixar seu passado de pobreza para ajudar os diferentes. Ele se casa com o amor da infância, tem duas filhas e tenta a vida com um museu de cera e um circo de aberrações.
Tod Browning representou melhor esse tipo de circo em “O monstro do circo” (1927), em que um homem, simulando não ter braços, faz sucesso atirando faca com os pés. Nem o dono do circo sabe da sua fraude. Mas, apaixonado por uma mocinha que acreditava na sua deficiência, ele se submete a uma cirurgia para amputar os braços. Dele é também o famoso “Os monstros” (1932), reunindo o que na época eram consideradas aberrações. No tempo de Browning, não existia ainda o politicamente correto. Anões, mulheres barbadas, homens muito altos, muito gordos e muito peludos não eram considerados, como hoje, humanos especiais, mas abortos da natureza mesmo. Assim, fica postiço enfocar tais pessoas no século XIX de forma politicamente correta. Se o “Garoto selvagem”, de François Truffaut, e “O homem elefante”, de David Lynch, fossem enfocados como o diretor Michael Gracey procedeu em “O rei do show”, os dois filmes não teriam se tornado os clássicos de hoje.
Assim, o primeiro equívoco foi levar o presente para o passado e trazer o passado para o presente. Está certo que “Os miseráveis”, o mais popular romance de Vitor Hugo, por mais de uma vez chegou às telas como musical. Mas houve o cuidado de não se incorrer em muitos anacronismos. Em “O rei do show”, as coreografias até são bonitas, mas parecem feitas para Michael Jackson. Uma delas, aliás, representada por Zac Efron e Zendaia, tenta imitar a linda dança de “La, la, land”, em que os personagens principais levitam ao bailar. O enfoque, aqui, é metafórico: o casal se sente nas nuvens. Lá, é literal: o casal sobe de verdade.
Em vários momentos, as diferenças raciais, os amores proibidos, o preconceito contra os estranhos vêm à tona. Mas a postura de Barnum e o amor próprio dos discriminados adquirem caráter de politicamente correto. Enfim, o filme está fora do tempo. Não consegue ser um musical para marcar época nem contém elementos que levem a crítica a transformá-lo num clássico futuramente, apesar da boa fotografia e das coreografias.