Crítica de cinema - Múltiplas vozes
Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 11/12/2017 19:33
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Cena de ENTITY_quot_ENTITYExtraordinárioENTITY_quot_ENTITY / Divulgação
Extraordinário -
Certa vez, o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss foi acusado de preconceituoso por ter afirmado que o preconceito é um traço cultural comum às diversas culturas. Afirmações como essa recebem julgamento precipitado. Ele não defendeu o preconceito nem afirmou que se trata de uma característica inata, embora possa ser culturalmente profunda. “Extraordinário”, dirigido por Stephen Chgosky, aborda o preconceito na sua expressão de Bulling. Auggie Pullman (Jacob Tremblay) nasceu com uma anomalia genética, passou por várias cirurgias, mas nunca conseguiu alcançar um rosto com traços enquadrados no que se entende por normalidade. Sua mãe Isabel (Julia Roberts) foi sua professora até que, com receios, ele foi matriculado numa escola. Seu pai Nate (Owen Wilson) hesitou quanto à decisão.
Como era de se esperar, o pequeno Auggie sentiu na pele a repulsa dos colegas. A era do politicamente correto não afasta o preconceito. Apenas condena sua manifestação. As pessoas continuam sendo preconceituosas, mas não externam o preconceito com atos e palavras. A composição do professorado e do alunado da escola é multirracial, palavra que abomino por entender que não existem raças humanas. Uso-a apenas por comodidade. Auggie é o centro do filme e do preconceito num ambiente em que existem professores e alunos negros, orientais e brancos. A multirracialidade passa como algo tranquilo, praticamente inexistente, isenta de preconceito. É difícil admitir que, nos Estados Unidos, o racismo tenha sido absorvido na normalidade de uma escola.
Estamos diante do caso de uma criança com as capacidades mentais preservadas, embora a aparência física chame a atenção. É claro que os conflitos vêm à tona. Não apenas a tensão entre Auggie e os colegas, mas aquela entre sua mãe e sua filha, entre mulher e marido, entre a filha e uma amiga.
Creio que, em “Extraordinário”, o aspecto que merece atenção é o de diversas vozes se manifestarem. Não apenas o drama do menino merece atenção. Não apenas a voz dele é ouvida. Os dramas de outras pessoas também ganham voz própria. Via Pullman (Izabela Vidovic) tem problemas de relacionamento com a mãe por causa do irmão e com sua colega dileta. Esta tem suas razões para mudança de comportamento. Um colega de Auggie tem problemas de relacionamento com ele. E todos ganham destaque com suas próprias vozes. Via passa a namorar Justin (Nadji Jeter), um jovem negro, relacionamento aceito como natural pelos pais dela e de todos os outros. Mas a presença de negros não suscita problemas raciais. Neste plano, tudo é aceito como natural.
A obra que deu origem ao filme foi escrita por R.J. Palacio, devidamente roteirizada por Steven Conrad, Jack Thorme e pelo próprio diretor Stephen Chbosky. Entende-se que a deformação física de Auggie seja absorvida por muitos ao seu redor, até porque ele é inteligente e dono de senso de humor atilado. Mas, na vida real, não cessaria num final feliz, como mostra o filme. A transformação do esquisito em herói por aceitação geral é um traço bastante comum no cinema dos Estados Unidos. Assim, os conflitos são resolvidos de forma fácil.

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