No último 10, teve início, na teoria, uma nova fase na fiscalização ao transporte clandestino em Campos, com base no artigo 47 da Lei das Contravenções Penais (LCP), que prevê prisão de 15 dias a um mês e multa para quem exercer profissão ou atividade econômica, ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que, por lei, está subordinado o seu exercício. A novidade foi definida graças à união entre o Instituto Municipal de Transporte e Trânsito (IMTT), as polícias Militar e Civil, Guarda Civil Municipal (GCM), superintendência municipal de Ordem e Paz Social e o Ministério Público Estadual (MPE). Na prática, porém, a “farra das lotadas” continua passando batida.
Na terça-feira (14), uma operação foi realizada pelo IMTT, junto aos agentes da PM, GCM e o Departamento de Transportes Rodoviários do Rio de Janeiro (Detro/RJ), em vários pontos da cidade, com objetivo de combater a circulação das lotadas e vans irregulares. Durante a fiscalização, um motorista, que estaria realizando transporte irregular perto dos Correios, no Centro, tentou escapar com os passageiros no interior do veículo, mas acabou sendo detido. Contudo, foi autuado apenas no artigo 309 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), por direção perigosa, sendo ignorada a LCP. O carro, que estava com a documentação atrasada, foi notificado e removido pelo Detro/RJ.
Outros dois veículos foram apreendidos no mesmo dia, mas os condutores não foram encaminhados à delegacia, como flagrado pela equipe da Folha da Manhã. De acordo com o presidente do IMTT, Renato Siqueira, nova reunião será agendada com representantes dos outros órgãos envolvidos na fiscalização, a fim de esclarecer a situação, com presença do delegado titular da 134ª Delegacia Policial (Centro), Geraldo Rangel.
— Fiz uma convocação de reunião, mas o delegado da Polícia Civil não está em Campos. Estamos marcando para a semana que vem, o dia ainda será definido na programação. O objetivo é esclarecer o motivo pelo qual só houve atuação por direção perigosa no condutor detido. Fazendo uma análise técnica, junto com pessoas que atuam na questão do transporte irregular, embora não tenha sido feito o enquadramento pelo artigo 47 da LCP, a penalidade imputada com base no Código Penal foi muito mais grave. Então, vamos conversar para entender por quê foi feita uma e não a outra, se tinha condição de fazer as duas — disse Renato.
O presidente do IMTT já havia criticado anteriormente a forma de autuação. “Não pode o cidadão estar realizando uma prática criminosa e chegar na hora de ser autuado ficar apenas na direção criminosa. O policial apresentou todas as provas de que estaria conduzindo passageiros, de estar praticando um crime de contravenção, mas o delegado não acatou esse aspecto. Está havendo uma deficiência na fiscalização. Se o condutor foi flagrado, ele tem que ser levado à delegacia para ser instaurado os procedimentos e não ser liberado como foi. Isso prejudica muito as nossas ações e nós vamos corrigir”, afirmou em entrevista anterior.
Mudanças no novo Código Tributário, publicadas no final de setembro, determinaram que “a exploração de transporte de passageiros sem prévia autorização, permissão ou concessão (…) sujeitará o infrator à apreensão de veículos e multa de 300% sobre o valor atualizado da taxa devida pelo período efetivo ou estimado de funcionamento por cada veículo irregular, além dos acréscimos moratórios exigíveis”.
Estratégia para tipificar criminalmente
Em outros estados, o problema também acontece. Como não há menção específica ao transporte clandestino na descrição dos crimes de trânsito, em espécie e no Código Penal, ações estratégicas estão sendo tomadas com base em outras tipificações. No Distrito Federal, a Polícia Civil passou a enquadrar como crime passível de um a cinco anos de prisão e multa quem faz transporte pirata. Assim, motoristas flagrados fazendo transporte irregular de passageiros passaram a ser indiciados pelo artigo 265 do Código Penal, por atentado contra serviço de utilidade pública. Por lá, até o passageiro pode ser obrigado a prestar depoimento na delegacia. Já em Goiás, o artigo 328 do Código Penal foi aplicado em casos que levaram à prisão em flagrante de motoristas de veículos piratas. A norma trata da “usurpação de função pública” e prevê pena de detenção de até dois anos e multa. Neste caso, a justificativa da Justiça é de que o crime se caracteriza porque o transportador não possui autorização do poder concedente para executar o transporte remunerado de passageiro.
Em Campos, a decisão de enquadramento no artigo 47 da LCP foi elogiada pelo advogado, procurador da Câmara Municipal e articulador da Folha, Robson Maciel, que defende a aplicação correta nos próximos casos.
— O transporte público alternativo ou regular exige um enquadramento de requisitos definidos tanto na Constituição Federal, quanto na Lei Orgânica do município. Um debate muito próximo para exemplificar isso é o que está acontecendo com o Uber. Como se trata de um serviço público, não pode qualquer particular, ao seu bel-prazer, sair de casa e decidir ser prestador de serviço de transporte alternativo ou regular. O ordenamento jurídico brasileiro exige inúmeros requisitos, inclusive para trazer segurança aos usuários. Se alguém exerce essa atividade sem atender aos requisitos, ele está, sim, exercendo irregularmente uma função — afirmou Robson, destacando a necessidade do entendimento entre o IMTT e a Polícia Civil.
— Eu entendo que a ação conjunta é muito importante e necessária, até porque a fiscalização desse tipo de atividade envolve a atribuição dos dois órgãos. O IMTT como responsável pela organização e fiscalização do trânsito municipal, e a Polícia Civil é quem tem o poder para enquadrar alguém no exercício irregular de uma profissão ou por qualquer outro crime. Então, é indispensável que eles atuem em conjunto — completou.
O advogado José Paes Neto, procurador-geral de Campos, também falou sobre as novas medidas adotadas no município. “Os entes públicos já trabalham para coibir a atuação irregular, que é prejudicial para o sistema de transporte público. Fizemos adaptações no Código Tributário para permitir uma multa maior e o recolhimento do veículo. Agora, o IMTT vem conversando com os outros entes envolvidos e entendeu necessário que houvesse o encaminhamento à delegacia para um enquadramento penal, que é feito pela Polícia Civil. Obviamente, haverá estas sugestões de punições maiores que já sejam utilizadas em outros locais”, afirmou.
Fiscalização para coibir as irregularidades
Na tarde da última quinta-feira (16), nova operação foi realizada, sem divulgação prévia. Por conta disso, a imprensa não pôde acompanhar. “Não fazemos divulgação de datas e horários, porque a gente conta com isso para que não haja frustração nos objetivos da operação. Basicamente, a gente faz a programação com antecedência e sem divulgação. Qualquer divulgação acaba prejudicando os nossos objetivos”, explicou Renato Siqueira.
Questionado sobre a operação de terça, o presidente do IMTT revelou certa frustração, mas não descartou sua importância: “Eu diria que não alcançou todos os objetivos, mas todas as operações são válidas e, por isso, continuam a ser realizadas”.
Em nota, o IMTT disse que “segue com a fiscalização para coibir o transporte irregular no município. Na terça-feira (14), dois veículos foram removidos, sendo um pelo Detro e outro pelo IMTT. Na quinta-feira (16), mais um veículo foi removido pelo órgão. O IMTT informou que, de março a outubro, mais de 1000 veículos foram abordados durante fiscalizações ao transporte irregular no município. As operações de fiscalização, que acontecem em parceria com a Guarda Civil Municipal e Polícia Militar, vêm sendo intensificadas”.
Prejudiciais ao setor de Transporte e oferecedoras de risco à população, as lotadas são objeto de polêmica há tempos em Campos. Neste ano, após a suspensão da Passagem Social nos ônibus e com o aumento nas fiscalizações, os motoristas do transporte coletivo irregular resolveram fazer protestos, fechando ruas e tumultuando o trânsito. Até agora, já foram seis; em janeiro, fevereiro, dois em julho, um em agosto e, o mais recente, no final de outubro, sempre em locais de grande fluxo de pedestres e veículos.