Caso Iuri: Justiça aceita denúncia contra quatro médicos de Campos
Matheus Berriel 13/11/2017 22:31 - Atualizado em 14/11/2017 14:59
Fórum Maria Teresa Gusmão
Fórum Maria Teresa Gusmão / Paulo S. Pinheiro
O juiz da 1ª Vara Criminal de Campos, Bruno Rodrigues Pinto, aceitou a denúncia do Ministério Público Estadual, por meio da 1ª e da 2ª Promotorias de Justiça de Investigação Penal, contra quatro médicos de Campos, pela morte do jovem Fernando Iuri Chagas Rangel, em 2013, após complicações neurológicas decorrentes de uma cirurgia na clavícula, realizada em um hospital particular do município. O cirurgião Paulo César Mota da Rocha e o anestesista Luis Bernardo Vital Brasil Bogado foram denunciados por homicídio doloso e falsidade ideológica. Já os médicos Rocklane Viana Areas e Hugo Manhães Areas, apenas por falsidade ideológica, no mesmo procedimento. O assunto foi divulgado no blog Na Curva do Rio, hospedado no Folha 1, assinado pela jornalista Suzy Monteiro. 
Na decisão em que aceitou a denúncia, o magistrado destacou que, “analisando o material probatório que sustenta a peça acusatória, especialmente os laudos técnicos de fls. 662/694 e 8880/883v, verifica-se a presença de justa causa para o ajuizamento da ação penal. Ademais, a denúncia contém a exposição do fato criminoso de forma minuciosa e detalha a conduta de cada denunciado, permitindo o amplo exercício da defesa”.
À Folha, a mãe de Fernando Iuri, Fernanda Chagas, disse que foi confortada com a decisão do juiz. “Eu estou me sentindo em paz. É parte de uma vitória. Na verdade, a justiça é lenta, mediante a todas as provas que a gente colheu ao longo desses quatro anos. Os médicos seguem a vida deles. Então, uma parte da impunidade está sendo vencida. O que eu posso fazer pelo meu filho é lutar, continuar. A denúncia e a aceitação dela por parte do juiz foram dois grandes passos para acreditar que não viveremos na impunidade. Estou em paz”, afirmou.
Segundo o MP, na denúncia, o dolo eventual ficou caracterizado pelo fato de Paulo César e Luis Bernardo terem assumido o risco da morte de Fernando Iuri, na época com 19 anos, com a omissão de deveres de cuidado, ao injetarem pesadas drogas sem ofertar oxigênio suplementar e praticando cirurgias e anestesias simultâneas. Vídeos da cirurgia teriam revelado que o anestesista não agiu de forma a conter os riscos mortais que decorreriam da depressão respiratória advinda da sua ação médica, mantendo a vítima em respiração espontânea em ar ambiente, sem ofertar aporte suplementar de oxigênio e, principalmente, sem manter vigilância constante e permanente do paciente, conforme preconiza o Conselho Federal de Medicina (CFM). O vídeo também revelaria que, depois de disparados os alarmes de anormalidades vitais, o anestesista teria permanecido alheio e indiferente ao quadro fisiológico que se instalava em Fernando Iuri, ficando inerte por mais de seis minutos. Ao todo, de acordo com o MP, o anestesista ficou fora da sala cirúrgica durante mais de 36 dos 45 minutos de cirurgia, até soarem os alarmes dos sinais vitais monitorados.
Sobre o cirurgião Paulo César, a denúncia diz que ele realizava cirurgias simultâneas e teria deixado de suspender o ato ou de convocar o anestesista de plantão de forma a substituir o profissional de sua escolha, que insistia em se manter fora da sala cirúrgica. Ainda segundo o MP, as agendas das cirurgias, todas programadas e eletivas, registram que os dois médicos trabalharam em diferentes salas até às 20h do dia do procedimento de Fernando Iuri. Paulo realizou 10 cirurgias, e Bernardo, 18. Ambos teriam atuado em várias de forma simultânea, sem qualquer indicativo de urgência ou emergência, prática considerada atentatória à ética médica, por comprometer seriamente a segurança do paciente. Consta na nota enviada pelo MP que, ao final do procedimento, os dois escamotearam as informações reais, registrando no prontuário médico dados e informações que não condiziam com a verdade. Junto com Paulo César e Luis Bernardo, os outros dois denunciados teriam omitido declarações que deveriam constar no documento.
Procurado pela reportagem, o advogado de defesa do médico Paulo César Mota da Rocha, Élvio da Silva Araújo, disse que está providenciando, junto ao Tribunal de Justiça, um habeas corpus para modificar a tipificação, considerada errada. “O cliente não se conforma, em hipótese alguma, com essa denúncia de querer enquadrá-lo em homicídio doloso, quando a jurisprudência pátria dos tribunais, o próprio Código Penal, recomenda que erro médico é conduta culposa, e não dolosa. Numa suposta fatalidade ocorrida por erro médico, a tipificação penal que o promotor pode fazer é tentar enquadrar na conduta culposa. Esses médicos estão sendo acusados numa situação que causa um enorme desgaste emocional. São profissionais que dão tudo de si em prol da sociedade, em prol dos pacientes, e hoje estão sendo penalizados por uma situação que não é a realidade, não é a recomendação da lei penal brasileira. O que aconteceu foi uma fatalidade. O Dr. Paulo e os demais médicos, em hipótese alguma, queriam o evento morte. Esse processo criminal foi instaurado errado pela promotoria pública, porque trata-se de homicídio culposo”, afirmou.
A Folha não conseguiu manter contato com a defesa dos demais envolvidos. Em nota na ocasião da denúncia contra os médicos, a direção do Hospital Dr. Beda, onde foi realizada a cirurgia, informou que “colaborou, em todos os níveis, no processo de investigação do fato”. A unidade de saúde não foi citada.

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