Foi trancada, no último dia 25 de outubro, a ação penal em que o professor Maurício Nunes Lamônica, do Instituto Federal Fluminense (IFF) de Campos, respondia por ato de racismo. A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região concedeu, por unanimidade, ordem de habeas corpus favorável a Maurício. A sessão de julgamento aconteceu no Rio de Janeiro. De acordo com o relator da ação, o desembargador federal Antônio Ivan Athié, “não se verifica a presença da tipicidade da conduta” imputada ao professor. Cabe recurso por parte do Ministério Público Federal (MPF).
Maurício Nunes Lamônica foi denunciado pelo MPF por ter, supostamente, praticado racismo em publicações no Facebook, em março do ano passado. “Pra ninguém achar que eu não gosto de uma afrodescendente. Nega gostosaaaaa!!!!!!! Uh!!!! Foi Mal”, dizia na primeira postagem, servindo de legenda para uma foto em que o professor mostrava uma taça com cerveja preta. O processo foi iniciado pela 2ª Vara Federal de Campos.
Na justificação do voto para que fosse concedida a ordem de habeas corpus e travada a ação penal, Antônio Ivan Athié afirmou que “o animus jocandi é evidente”. Ou seja, na visão do desembargador federal, os comentários foram proferidos em tom de brincadeira, sem o intuito de ofender nenhum grupo social específico.
— As afirmações por ele postadas devem ser interpretadas conjuntamente. Analisando o perfil do paciente no Facebook, é possível verificar que ele é o que se chama atualmente de ‘cervejeiro’. Muitas de suas postagens naquela rede social envolvem cerveja. Algumas postagens mais sérias, outras contendo brincadeiras. Mas, sempre tendo a cerveja como pano de fundo. E comparações entre cervejas e mulheres são muito comuns na mídia. A cerveja mais tradicional, mais clara, é, inclusive, popularmente chamada de ‘loira’. Há também marcas de cerveja cujos produtos são chamados por esses ‘apelidos’. Há a cerveja ‘loira’, a ‘ruiva’, a ‘negra’ e até mesmo a ‘índia’ (essa, cerveja de trigo) — alegou Antônio Ivan que completou dizendo que “Admitir o contrário, não só viola a liberdade de expressão do paciente como também importa em indevida interferência em sua intimidade, eis que ele pode preferir se relacionar com mulheres morenas, a loiras ou negras, por exemplo. E isso nada tem de discriminatório ou preconceituoso”.
Para advogado e professor de Direitos Humanos do Centro Universitário Fluminense (Uniflu), Jorge Assis, que elaborou a notícia-crime, subscrita por várias entidades do movimento negro de Campos, a decisão do TRF foi equivocada.
— O Tribunal errou. Há um conservadorismo. É mais uma manifestação do que eu chamo de racismo institucional, ou racismo estrutural, aquele racismo que está enraizado na estrutura das instituições, quer pública ou privada. Há um claro indício de ofensa às mulheres negras e à coletividade negra do Brasil. Através das brincadeiras é que se fazem perpetuar a discriminação, o preconceito, o racismo. São brincadeiras inaceitáveis contra mulheres negras, que são sacrificadas e sofrem mais as agruras do racismo na nossa sociedade. Brincadeiras inaceitáveis. O desembargador está absolutamente equivocado — salientou Jorge Assis, que já foi membro da Comissão da Igualdade Social da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ). (M.B.)