Guilherme Belido Escreve - Viver é postar
21/10/2017 20:00 - Atualizado em 26/10/2017 18:57
Espetacular inovação do século 21, responsável por revolucionar a comunicação, a Internet e suas diversificadas configurações em redes sociais seguem oscilando entre o vanguardismo de sua essência e o lado obscuro que cresce assustadoramente pelo uso degenerativo.
Formidável na agilidade da informação; terrível na disseminação do ódio. Por um lado, não conhece fronteiras; por outro, conduz à alienação.
Em tese, ferramenta de aproximação; na prática, objeto que conduz ao isolacionismo.
Numa face, o progresso, a facilidade e o entretenimento. Na outra, o retrocesso social, a escuridão e a doença.
Esta semana, revoltante episódio envolvendo o filho da apresentadora Ana Hickmann – uma criança de apenas três anos, covardemente ofendida e xingada por uma seguidora – trouxe à tona discussão que vem de longe e ainda vai muito adiante: se, quando e quais limites serão adotados para que as redes sociais não sigam, parcialmente, atalho de submundo.
É desolador verificar como um instrumento moderno, ‘a cara do futuro’, pode, sorrateiramente, fazer com que as relações humanas andem para trás e ainda tragam doenças.
Informalmente falando, o maior companheiro das redes sociais chama-se, não por acaso, Rivotril. As pessoas estão voltadas para si, quase não se falam – teclam – e evitam o almoço de domingo em família, o sol, a praia, o passeio... porque preferem ficar trancadas no quarto, na frente do computador ou de olho no Smart, percorrendo as redes sociais e ‘vendo’ o mundo pelo WhatsApp.
Pior que a obesidade em crianças e adultos são os transtornos comprovados nos consultórios, particularmente entre jovens. A dependência do celular virou doença, como tal diagnosticada: pessoas que não conseguem largar o telefone por instante que seja. Não por opção, hábito ou mania, mas por distúrbio. Evidente, com todas as ressalvas aos que usam os mecanismos com equilíbrio.
As pessoas não vivem, elas registram e postam. Não contemplam o topo de uma montanha ou a beleza de uma cachoeira. O que conta é tirar foto e enviar para os grupos: # Montanha. # Estou aqui...kkk”
A exposição desmedida é outro problema. Querem ter seguidores – milhares... milhões. Abrem mão da privacidade, informam para uma legião de desconhecidos cada passo que dão – onde estão... para onde vão – e acabam sendo vítimas de toda sorte de agressão de invejosos e desocupados, além de correrem riscos.
Karnal usa Hamlet como contraponto
O conhecido escritor e professor Leandro Karnal tem se debruçado em estudos sobre o comportamento das pessoas ante as redes sociais. Num deles, adverte que a necessidade de exibir felicidade denota que talvez sejamos solitários, e quem diz ter 3 mil amigos, é possível que não tenha nenhum.
Fazendo paralelo entre o viver e o postar, valeu-se, numa de suas palestras, das reflexões de Hamlet, como contraponto ao mundo daqueles que quanto mais escrevem “potássio, potássio, potássio – kkk – é sinal maior que estão tristes, tristes, tristes...”
Abaixo, trechos salteados da referida palestra, em que lança mão de cenas da peça de Shakespeare.
"(...) Hamlet é o anti-facebook. Ele não só não é feliz, como não faz questão de parece feliz. Hamlet nada publica, ao estilo “almocei”, “tá sol aqui”, e jamais diz kkk.
Hamlet não pertence à geração que acha que ser feliz é uma obrigação, além de ser uma personagem que não tem a necessidade de demonstrar a felicidade.
Como eu não tenho uma vida interessante, eu fotografo tudo na minha, e compartilho com todos.
E quanto mais eu fotografar e passar adiante, é porque eu estou precisando que o mundo inteiro me diga como é legal a vida que eu próprio estou achando insuportável.
Quando todos publicam que são felizes, quando todos dizem, sem cessar ‘... minha vida é legal... porque eu estou viajando...’ quando todos dizem a mesma coisa, eu preciso dizer que ser louco é a única possibilidade de ser sadio, neste mundo doente.
E ser enquadrado neste mundo é ser alguém que serve para o palco alheio, para a peça escrita pelos outros... para o roteiro definido por terceiros.
Hamlet está nos dizendo, digam ao celular, ao computador, ao emprego, à roupa, à família, digam à academia, digam a tudo, pelo menos uma vez na vida, quem é que manda. Porque até o momento, são eles que mandam.
Hamlet está dizendo... Comece a fazer algo, porque em breve o resto será silêncio. Essa é a lição do Príncipe.
Cada vez que eu leio o Príncipe, me envergonho de ser muito menos do que a consciência dele é... E de ser tão enquadrado, tão social...
E me alegro, que aqui na minha contradição, hipocrisia e mediocridade, eu consiga olhar para o príncipe e dizer que gostaria de um dia, ao envelhecer, pelo menos tentar ficar sábio. O resto é silêncio".
Os que na rede dão o seu pior
Numa visão pessimista, mas tecnicamente realista, é possível que as redes sociais tenham que produzir mais estragos para que elas próprias, numa espécie de autodefesa, encontrem seus limites.
Sociólogos comparam a Internet a um grande depósito onde se encontra de tudo: alguma coisa boa, muitas ruins e outras tantas péssimas.
Do que existe de benéfico, obviamente não há preocupação. Ao contrário, é o lado da informação, da inclusão e do conhecimento que chega onde antes reinava o atraso e o vazio. É a facilidade na assistência e na ajuda aos que outrora padeciam com a demora.
Todavia, outra vertente com viés de crescimento surge nas vielas escuras da Internet, apostando na possibilidade de anonimato como convite para a barbárie.
Aqueles que jogam ovo, tomate e pedras... Destroem monumentos públicos e colocam fogo em ônibus... – mesmo sob risco de serem presos. Esses... o que não fazem, então, quando ‘transitam’ pelas redes sociais? Ora, eles dão o seu pior.
Redes sociais e mídias sociais
Nas ferramentas disponíveis na Internet, algumas, tecnicamente, têm diferentes definições, não obstante próximas. Rede social, por exemplo, não é o mesmo que mídia social, apesar de tomadas como sinônimas.
Para o especialista André Telles, existe muita confusão. Ele explica que redes sociais são uma categoria das mídias sociais, focadas em manter ou criar relacionamentos tendo por base assuntos em comum, como Orkut, Facebook, etc.
Consiste, portanto, num grupo de pessoas com algum nível de relação ou interesse mútuo; enquanto mídia social é o uso da Internet para divulgar conteúdo de forma descentralizada.
Categorias – Não tem como uma rede social online não ser uma mídia social, porque a primeira é uma categoria dentro da outra. Logo, a rede social é um pedaço da mídia.
Já o contrário é possível porque a mídia social pode existir sem ser uma rede. “Se alguém usar qualquer ferramenta apenas para divulgar conteúdo, será uma mídia social. Caso haja interação, passa a ser também uma rede social”.

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