Paraíba, um gigante que agoniza
Daniela Abreu 28/10/2017 19:06 - Atualizado em 01/11/2017 17:04
Desde sua nascente, na Serra da Bocaina, até sua foz em Atafona, praia do litoral de São João da Barra, o rio Paraíba do Sul atravessa os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais cumprindo um percurso de 1.137km, abastecendo mais de quatro milhões de paulistas, 17 municípios do Rio e nove cidades do Grande Rio. Entre barragens, desvios e transposições, o gigante do Sudeste vem perdendo cada vez mais força, tendo como maior vilão, aqueles a quem sustenta. Em 2014, quando o Paraíba atravessou a 13º pior estiagem desde 1960, chegando ao nível assustador de 4,5m, o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Emiliano Castro de Oliveira, doutor em sedimentologia, apontou que a ausência de chuvas, à época, estaria colaborando com a redução dos reservatórios na nascente e ampliando a erosão marítima na foz. Segundo o ambientalista Aristides Soffiati, a seca acentuada atingiu o lençol freático também em Campos e São João da Barra, últimas cidades abastecidas pelo rio. O resultado, segundo ele, seria uma percepção de normalidade enquanto o rio corre sobre o leito, no entanto, a baixa na reserva do subsolo ressecou a camada acima, deixando o curso hídrico cada vez mais sensível às estiagens. A salvação, seria a volta dos verões chuvosos, o que não ocorre desde de o início da década. O ressecamento do solo não é realidade somente às margens do Paraíba. Segundo Soffiati, as queimadas que ocorreram no Parque do Desengano também se agravam como reflexo do fenômeno.
— A água que cai no continente vai para o mar rapidamente sem se infiltrar no lençol freático. Os proprietários da Baixada estão cavando poço e encontrando água salgada. Isso porque estamos em uma planície formada em cima da água do mar. A água fica retida no fundo e na medida vai ficando sem água doce, vai chegando na água salgada e puxando. Quando não existe água doce no lençol freático para empurrar a água do mar, ela vai se infiltrando e contaminando tudo — alertou.
Segundo o ambientalista, a água doce está secando em muitos lugares. Tudo isso por conta da derrubada exacerbada de florestas. Combinados, os fatores agravam cada vez mais a situação do Paraíba, que, sem chuvas em abundância, não tem como recuperar sua potência.
— Se você pegar um mapa do Norte e Noroeste Fluminense, você vai ver que não tem quase floresta nenhuma, a não ser na zona serrana e mesmo assim, muito pouco. Então a gente está colhendo agora, os frutos secos, de tudo que a gente semeou no passado e que vem se prolongando por muito tempo — alertou o ambientalista que acrescentou ainda que é preciso medidas estruturais para resolver a situação. “Não adianta ficar tomando medidas emergenciais, decretar estado de emergência e de calamidade pública sem restaurar florestas e lagoas.”
Como pequeno alívio, segundo o doutor em meteorologia e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Valdo Marques, a expectativa é de chuva no próximo mês.
— Estamos na primavera. Em geral a chuva nessa região começa a chegar na primeira quinzena de setembro, mas ela tem chegado com um mês de atraso, na segunda quinzena de outubro. Agora é que a gente está compensando a temporada de chuva na região. A tendência pelo que tem se observado é que vai melhorar, que vamos ter mais chuvas. Já começou a temporada — disse o meteorologista ressaltando que ainda não é possível traçar probabilidades quanto ao verão.
Superexploração traz reflexos nocivos
Segundo o sedimentologista, Emiliano Castro de Oliveira, em artigo publicado em 2014 na sucursal brasileira do jornal francês Le Monde, aliada à fatores naturais como a estiagem, outro fator que vem contribuindo com a morte do Paraíba é a superexploração. Ele cita que o crescimento de regiões que se beneficiam do rio, como o Vale do Paraíba e Baixada Fluminense, que à época da publicação teriam expansão industrial comparadas aos índices chineses, contribuíram para o aumento do consumo das águas do Paraíba, com instalação de indústrias, aeroportos, portos e refinarias que atraíram também o crescimento populacional.
— A partir daí podem-se notar os problemas estruturais relativos ao consumo de água na região, que não foi ampliado adequadamente e continua calcado apenas no aumento da captação da água do rio. O cenário atual, de crise hídrica, demonstra que o limite de captação foi excedido, e no atual panorama não é possível projetar quanto tempo os reservatórios irão durar, uma vez que não havia previsão de consumo em uma situação de seca intensa. O processo erosivo atuante na foz do rio indica que o Paraíba do Sul não tem condições médias de prover água para todos aqueles que hoje se utilizam dele — diz o doutor na publicação.
Incêndios ameaçam o Parque do Desengano
O fenômeno que resulta da estiagem e do desmatamento, consumindo gradativamente a umidade do solo não é uma realidade somente de áreas no entorno do Paraíba. Na região do Parque Estadual do Desengano, localizado em território dos municípios de São Fidélis, Campos e Santa Maria Madalena as queimadas devastaram uma área de 850 hectares da reserva, segundo o diretor do Parque Carlos Dário.
Ele explicou que o grande incêndio que Atingiu Madalena, devastou a área de amortecimento do Parque. Já o que atingiu o lado de Campos não pôde ser localizado, por que chegou através de denúncia, sem precisão do local exato. Helicópteros que faziam o combate às chamas em Nova Friburgo chegaram a se deslocar para a região, porém o incêndio se extinguiu antes de ser localizado.
— Eu costumo dizer que a combustão espontânea está entre o improvável e o impossível. Todos os grandes incêndios que eu combati e que ainda vou combater, infelizmente, sempre começam com a ação do homem. Quando a gente vê os indícios naturais, é sempre uma coisinha pequena que começa numa propriedade e vai embora. O rastro do fogo aponta quase sempre para o dedo do culpado — disse o diretor, que apontou também como causas, o assoreamento dos rios, o desmatamento e a perfuração descontrolada de poços artesianos, aliado a temperaturas elevadas e escassez de chuvas, que não ocorrem há dois meses na região do Parque.

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