Aluysio Abreu Barbosa
01/10/2017 10:19 - Atualizado em 03/10/2017 16:31
“Hoje a população paga pela falta de capacidade de quem só conseguiu pensar em si mesmo e no seu projeto político pessoal que não deu certo. Mas nosso caminho é outro. Consertar os erros deixados e avançar com coragem e responsabilidade na construção de uma Campos forte e desenvolvida”. Esta foi a reação do prefeito Rafael Diniz (PPS) às acusações do ex-prefeito, ex-secretário, ex-deputado, ex-governador e ex-candidato a presidente Anthony Garotinho (PR). Na noite da última quarta-feira (27), logo após ser liberado da prisão domiciliar em sua famosa “casinha na Lapa que papai deixou”, o líder, que em sua carreira se acostumou a falar para milhares de pessoas, disse diante de apenas 100 militantes:
“Esse governo (Rafael) pode acabar a qualquer momento. Ou por via judicial ou por via policial. A cidade está sendo destruída por um prefeito inexperiente, sem equilíbrio emocional. É um destemperado total, com uma equipe fraca”.
A previsão do ex-governador sobre um suposto final antecipado do governo municipal que o derrotou fragorosamente nas urnas de 3 de outubro não é novidade. Assim como são bem conhecidos seus constrangedores adiamentos. Desde que seu candidato a prefeito, Dr. Chicão (PR), perdeu no voto para Rafael em todas as sete Zonas Eleitorais de Campos, ainda no primeiro turno de 2016, Garotinho passou a profetizar, tanto em rádio, quanto blog e mídias sociais, que a eleição a prefeito de Campos seria anulada e uma nova seria marcada em maio.
Passou maio, junho, junho e agosto, sem que nada tivesse acontecido, a não ser as condenações eleitorais dos rosáceos envolvidos na Chequinho. Até quem, em setembro, a mão forte da Justiça se fez sentir na esfera criminal. Mas não sobre Rafael ou ninguém do seu grupo político. No dia 13 do último mês, quem acabou condenado pelos crimes de corrupção eleitoral, associação criminosa, coação de testemunhas e supressão de documentos foi o próprio Garotinho. Tudo relativo à troca de Cheque Cidadão por voto, denunciada inicialmente pelas assistentes sociais do próprio governo municipal Rosinha Garotinho (PR), durante a campanha eleitoral de 2016.
Para se ter dimensão daquilo que o Ministério Público Eleitoral chamou de “escandaloso esquema” na tentativa de eleger Chicão e os candidatos a vereador rosáceos, até junho de 2016, havia 14.991 pessoas cadastradas no Cheque Cidadão. E de junho a agosto daquele ano eleitoral, o número chegou a 32.506.
Mas o que mais espantou na sentença do juiz da 100ª ZE de Campos, Ralph Manhães, foi saber que se chegou “à prática de coação e intimidação de testemunhas, inclusive com emprego de arma de fogo”. Assim como descobrir que a “venda do futuro” de Campos, fechada no apagar das luzes do governo Dilma Rousseff (PT), em troca da abstenção de Clarissa Garotinho (hoje, no PRB) na votação do impeachment da então presidente, “é que custeou todo o esquema criminoso”. O prejuízo aos cofres públicos de Campos foi de R$ 11 milhões, enquanto o da “venda do futuro” custa todo mês 10% dos royalties do petróleo do município
Depois de condenado pela Justiça Eleitoral de Campos, Garotinho teve sua prisão domiciliar e todas as medidas cautelares, como tornozeleira eletrônica e incomunicabilidade, confirmadas no dia 18, por unanimidade, no Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Mas o condenado conseguiria a permissão de recorrer em liberdade, por 4 votos a 2, no dia 23, em decisão do plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), num movimento capitaneado pelo presidente Gilmar Mendes, também ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Considerado um dos magistrados mais impopulares da República, Gimar chegou a cobrar “vergonha na cara” ao defender a liberdade de Garotinho no TSE. Foi apenas dois dias antes dele se aliar ao presidente Michel Temer (PMDB) e ao PT nacional contra o afastamento de Aécio Neves (PSDB/MG) do Senado, no dia 26. Antes de defender o adversário mineiro, por temer ser alvo da mesma severidade nas operações federais Lava Jato e Zelotes, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi um dos únicos políticos a manifestar publicamente solidariedade a Garotinho, durante seus 14 dias de prisão domiciliar.
Mas depois que foi liberado para recorrer em liberdade da sua segunda condenação criminal — já havia sido sentenciado pela Justiça Federal do Rio, em 2010, a dois anos e meio de prisão, como chefe de quadrilha armada, por sua atuação como secretário de Segurança durante o governo estadual Rosinha (2003/2007) —, Garotinho não atacou apenas o prefeito de Campos. Sobre os vereadores, ele também disparou:
— Todo mundo sabe, hoje, onde funciona o bar da propina, onde todo mês os vereadores vão lá receber, além de tudo que já ganham, uma quantia em dinheiro, cada um.
O primeiro a reagir, no dia seguinte (28), foi o edil Jorginho Virgílio (PRP), do governista G-5. Ele apresentou uma queixa-crime contra o ex-governador na 134ª DP de Campos. Na oportunidade, declarou:
—Eu, como vereador, não posso aceitar um tipo de acusação inverídica. Vim fazer uma queixa-crime contra ele. Os meus advogados já estão preparando toda a documentação para entrar com uma ação criminal, para que ele possa provar o que denunciou ontem (27) à noite.
Mas a reação mais dura, também no dia 28, foi do presidente da Câmara, vereador Marcão Gomes (Rede):
— O senhor Anthony Garotinho pensa que todo mundo é bandido como ele. Chamo de senhor, porque é isso que ele é: um senhor decadente, que já foi prefeito, deputado, governador e candidato a presidente, mas hoje não passa de um ex-presidiário, condenado na Chequinho e condenado como chefe de quadrilha armada, pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, como o (Ronaldo) Caiado (DEM/GO) disse na cara dele, na Câmara Federal. É um bandido condenado duas vezes, além de investigado na Lava Jato e por outros tantos sinais de prática de ilícitos. E será tratado como o bandido que é: na delegacia de Polícia e na Justiça!
Alvos devolvem acusações com ironia e fatos
Quem não se ofendeu com as acusações contra os vereadores de Campos, feitas por Garotinho após 14 dias de prisão domiciliar, foi seu aliado e líder da bancada de oposição da Câmara, Thiago Ferrugem (PR). Ele até ironizou a reação dos colegas:
— É de se estranhar o comportamento de alguns políticos que no almoço falam grosso, cheios de críticas, e no jantar falam fino, cheios de arrependimento. Essa mudança abrupta de opinião faz com que pairem algumas dúvidas e gera especulação. Particularmente não me ofendi com a fala do “bar da propina”, mas se alguém se ofendeu deve ter vestido a carapuça.
Como não poderia deixar de ser, a opinião é bem diferente na bancada governista. Líder desta, o vereador Fred Machado (PPS) foi duro com o líder político de Ferrugem:
— Bandido condenado, Anthony Garotinho está acostumado a justificar seus crimes atacando falsamente outras pessoas. De uma forma irresponsável ele declarou que vereadores recebem propina. Talvez ele estivesse em delírios, confundindo o que dizia com a sua própria história. Afinal é ele que está acostumado a receber propinas, como afirmaram os delatores da Odebrecht na Lava Jato. A Câmara, de forma institucional, irá tomar as medidas cabíveis para responsabiliza-lo, tendo em vista a gravidade da sua acusação.
Os ataques de Garotinho não foram apenas a Rafael e aos vereadores da base. Alguns membros do estafe do prefeito também foram alvo do político da Lapa. Ele disparou contra os secretários de Assistência Social, Sana Gimenes, e de Fazenda, Leonardo Wigand; além do superintendente de Trabalho, Gustavo Matheus (PV):
— Botar para cuidar da Assistência Social a dona de um restaurante chique da cidade, que não está acostumada com pessoas pobres. Uma noite no restaurante dela não custa menos de R$ 3 mil. A moça pediu para sair duas vezes. Colocou como secretário de Fazenda o ex-cunhado de Ricardo Teixeira, que na época da Copa foi nomeado para comandar o Comitê Organizador Local. Ele que fazia autorizações para empresas usarem marca da Copa. Foram milhões fraudados. E, francamente, colocar como secretário de Trabalho o meu sobrinho, que nunca trabalhou... — ironizou Garotinho
— Ataques pessoais são a tônica quando não se pode questionar a seriedade do trabalho. Especialmente quando esse trabalho se dá na pasta envolvida em um dos maiores escândalos da história da política campista (a Chequinho), justamente a que motivou a prisão daquele que dela fez uso criminoso e assistencialista. Como advogada, professora de Direito de três respeitadas instituições e doutora em Sociologia Política, estou em contato com as populações vulneráveis há muitos anos. Confio no projeto do prefeito Rafael Diniz e nunca, mesmo diante das enormes dificuldades deixadas, cogitei abandonar o governo — garantiu Sana Gimenes.
— A irresponsabilidade do discurso de Garotinho é a mesma que ele teve com as contas do município, quando vendeu o futuro de Campos, quando tirou dinheiro da PrevCampos, quando, por mero capricho, deixou de praticar ações importantes como a implantação da Junta Comercial ou discutir com as entidades um novo Código Tributário responsável, o que nós já conseguimos fazer em nove meses. Infelizmente o desleixo com a arrecadação e irresponsabilidade com uso dos royalties levaram o município ao abandono e hoje quem está pagando é a população campista — cobrou Leonardo Wigand
— Dizer que eu nunca trabalhei é fácil. Mais fácil ainda é provar o contrário, já que as assinaturas da minha carteira de trabalho pesam quase tanto quanto a consciência do ex-governador. Lojas como Free Wave, empresas de locação de automóveis, de recursos humanos e este próprio jornal, Folha da Manhã, são os empregos formais que tive. Quero ver Rosinha fazer o mesmo. Em nove meses conseguimos empregar seis vezes mais que o governo rosáceo em todo o ano de 2016. Sem contar com a evolução na qualificação, um dos principais pedidos do prefeito Rafael Diniz — contabilizou Gustavo Matheus
As autoridades à frente da operação Chequinho na Polícia Federal (PF), Ministério Público Eleitoral (MPE) e Justiça Eleitoral também foram atacadas publicamente por Garotinho:
— Os que hoje são acusados, serão absolvidos. E os que acusam, serão presos. Já estão respondendo na corregedoria da Polícia Federal, na corregedoria do Ministério Público e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O promotor eleitoral Leandro Manhães, reiteradamente considerado pelo ex-governador como um dos seus principais antagonistas, não respondeu à tentativa da reportagem de contato por WhatsApp. Pelo mesmo meio eletrônico, o delegado da PF Paulo Cassiano retornou, mas se limitou a dizer não ter “nada a declarar sobre isso”. Também lacônicos foram os juízes eleitorais Glaucenir de Oliveira e Ralph Manhães, responsáveis pelas duas prisões de Garotinho na Chequinho:
— Posso dizer que, conforme vêm se tornando públicas, tenho ganhado com louvor todas as acusações espúrias dele contra mim. No TRE, no TSE e no CNJ — lembrou Glaucenir.
— Juiz não tem que se manifestar sobre palavras de réu — sintetizou Ralph.
Ex-aliados políticos, entre os tantos convertidos em desafetos, também não escaparam da sanha acusatória de Garotinho:
— Tristes são os políticos que conseguem um mandato e não se elegem mais. Triste é ser um Sérgio Mendes (PPS) da vida, triste é ser um Fernando Leite da vida, triste é ser um Pudim (PMDB) da vida. Se você está na política eleito e reeleito, está agradando ao povo.
O deputado estadual Pudim, como os magistrados de Campos, foi econômico na resposta:
— Eu prefiro não comentar o caso, porque ele deixou de ser de política e se tornou de polícia.
O ex-prefeito Sérgio Mendes também se manifestou:
— Triste para mim é ter sido governador, prefeito, deputado, secretário, e hoje ser condenado por formação de quadrilha e compra de votos. Sem contar as dezenas e dezenas de processos que responde na Justiça. A esse preço, prefiro nunca mais participar da política eleitoral.
Por fim, ex-companheiro de Garotinho desde os tempos de política estudantil, teatro e poesia, Fernando Leite usou ironia numa resposta pessoal:
— Garotinho, não tenho uma vida triste porque só tive um mandato eletivo. Acho e sempre achei que política é causal, não meio de vida. Triste é quando o político tem que desviar dinheiro público para comprar voto; quando a gana pelo poder o leva a vender sua alma ao diabo. Ah, eu seria triste se, na longínqua década de 1970, eu tivesse perdido todos os festivais de poesia que disputei com um velho amigo que ficou na curva da estrada. Eu, como ensina Cecília, “não sou alegre, nem sou triste, sou poeta”.