Pezão: "Vou deixar um legado diferente"
Aldir Sales 23/09/2017 17:25 - Atualizado em 26/09/2017 15:16
Luiz Fernando Pezão
Luiz Fernando Pezão / Agência Brasil
Sucessor de Sérgio Cabral, preso e condenado por corrupção, de quem foi vice e secretário de Obras, o governador Luiz Fernando Pezão deposita as esperanças no Regime de Recuperação Fiscal, assinado com o governo federal, para “deixar um legado econômico diferente do que recebeu”. Com a primeira parcela do empréstimo de R$ 63 bilhões, Pezão disse esperar, para a partir início de outubro, colocar os salários dos servidores ativos e inativos em dia, incluindo os da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). Ao comentar sobre o colega de PMDB, Pezão disse que “quem errou está pagando”. No entanto, o governador não respondeu ao questionamento, por e-mail, sobre a conclusão da Ponte da Integração, entre São João da Barra e São Francisco de Itabapoana, e preferiu não comentar sobre a prisão de Anthony Garotinho, acusado de comprar votos na última eleição municipal em Campos.
Folha da Manhã - Em recente entrevista ao site do jornal Zero Hora, o senhor disse que o Estado estará com as contas equilibradas em até cinco anos com o acordo de Recuperação Fiscal com o governo federal. O senhor espera deixar um legado econômico diferente do que recebeu?
Luiz Fernando Pezão - Não tenho dúvida. O início do meu mandato, em janeiro de 2015, foi marcado por uma virada negativa no desempenho da economia do Brasil que afetou profundamente as finanças do Estado do Rio de Janeiro. A arrecadação de ICMS, que vinha crescendo significativamente e de forma sustentável no Estado, começou a apresentar sinais negativos a partir da segunda metade de 2014. Desde o início, fizemos importantes cortes de gastos e geramos, já em 2015, mais de R$ 9 bilhões em receitas extraordinárias. Se fossem concretizadas as previsões dos analistas econômicos e do próprio governo federal de crescimento, mesmo que pequeno, na economia naquele ano, poderíamos ter chegado sem um déficit tão grande nas finanças em 2016. Mas, infelizmente, a depressão da economia brasileira se aprofundou cada vez mais. Para o Rio de Janeiro, formou-se uma tempestade perfeita, já que o petróleo tem um peso forte na nossa economia e o preço do barril caiu de US$ 120 em 2014 para US$ 30 em janeiro de 2016. Desde a metade de 2014, foi persistente a queda no valor dessa commodity.
Lutei muito para superar essa situação, mas com o déficit da previdência pública, que necessita de crescentes aportes do Tesouro estadual, os problemas financeiros se agravaram. Finalmente, após mais de 20 viagens a Brasília, em trabalho constante junto ao governo federal e aos parlamentares no Congresso Nacional, conseguimos homologar o Regime de Recuperação Fiscal, equivalente a R$ 63 bilhões em três anos e que poderá ser renovado por mais três anos. Não tenho dúvida que, com esse Regime, alcançaremos o reequilíbrio fiscal do Rio de Janeiro. Desse modo, com a retomada do crescimento da economia brasileira e o Regime de Recuperação Fiscal, com o retorno dos investimentos e a melhoria na prestação de serviços, vou deixar um legado econômico diferente do que recebi.
Folha - A partir do Regime de Recuperação Fiscal será possível colocar em dia os salários dos servidores? Assim como pagar o 13º salário de 2016 e 2017? Também existe muita especulação dizendo o contrário, que o governo não conseguirá esse feito. O que realmente pretende fazer?
Pezão - Espero que, no máximo no início de outubro, publiquemos o edital para a realização do empréstimo de R$ 3,5 bilhões. Com esses recursos em caixa, vamos regularizar os pagamentos dos vencimentos dos servidores ativos, inativos e pensionistas, inclusive o décimo terceiro salário. O pagamento dos salários dos servidores sempre foi minha prioridade e, hoje, toda a receita que entra em caixa está voltada para esses pagamentos de vencimentos e os repasses obrigatórios. Minha prioridade total é a regularização dos pagamentos dos salários do funcionalismo.
Folha - Ainda sobre o Regime de Recuperação Fiscal, logo após assinatura e homologação, falou-se em investimentos no Porto do Açu. Esse investimento será a conclusão da obra da ponte da Integração, ligando São João da Barra a São Francisco de Itabapoana?*
Pezão - O Porto do Açu está se consolidando cada vez mais, ampliando as operações e os investimentos. Prefiro não falar em nome do empreendimento, que é do setor privado, mas reitero a importância do Porto não apenas para o desenvolvimento econômico de São João da Barra, mas para o Estado do Rio de Janeiro.
O Porto do Açu se insere nos grandes projetos econômicos em curso no Estado e que vão levar a uma retomada do nosso desenvolvimento econômico a partir de agora, gerando resultados permanentes para os próximos anos, seja em geração de empregos, de arrecadação e de desenvolvimento tecnológico para o Rio.
*Entrevista realizada por e-mail, não sendo possível questionar novamente sobre a Ponte da Integração
Folha - Como o senhor vem acompanhando a queda na arrecadação dos royalties do petróleo? O Estado também está passando pelo mesmo problema dos municípios da área de Bacia de Campos? Estão falando em reduzir royalties para investimento nos campos maduros, como tem acompanhando esse movimento?
Pezão - Nosso governo tem lutado sempre para elevar a arrecadação de royalties do estado e dos municípios fluminenses, sem prejudicar a competitividade das empresas. Por meio da secretaria estadual da Casa Civil e Desenvolvimento Econômico, temos mantido um diálogo constante com a Petrobras e as demais empresas do setor, assim como com o órgão regulador do segmento de óleo e gás, que é a ANP. Defendemos o que é justo para a população do Estado do Rio. Queremos investimentos no setor de óleo e gás em nosso estado e faremos todo o possível para que o ambiente para as empresas seja o mais atrativo. Estamos muito otimistas em relação aos resultados das novas rodadas de áreas de exploração e produção de óleo e gás da ANP, que deverão gerar vultosos investimentos no Rio nos próximos anos.
Folha - Na última quinta-feira, os professores da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) decidiram manter a greve geral na instituição, com dívida estimada em R$ 30 milhões e funcionários com atraso salarial. Em entrevista à Folha da Manhã no dia 30 de abril, o senhor atrelou o comprometimento com as condições das universidades estaduais com a aprovação do Regime de Recuperação Fiscal e a redução do déficit financeiro. Com a adoção do plano, em quanto tempo a Uenf vai poder respirar? Quais as primeiras medidas para tirar a instituição do abismo fiscal e o prazo para ela ter plenas condições de funcionamento novamente?
Pezão - Com a homologação do Regime de Recuperação Fiscal, os primeiros efeitos se farão sentir nos pagamentos dos vencimentos dos servidores ativos, inativos e pensionistas, a partir da realização do empréstimo, que deverá ocorrer em breve. Nosso objetivo é a melhoria na prestação de serviços em todas as áreas, inclusive nas universidades, que infelizmente têm enfrentado muitas dificuldades em consequência da crise econômica. A secretaria de Ciência e Tecnologia está estudando medidas importantes para todas as universidades estaduais, que possam ser implementadas com o reequilíbrio fiscal do Estado.
Folha - Em recente artigo, o senhor sugeriu uma autocrítica, relatou que “a gestão pública nos tempos de vacas gordas deve sempre levar em conta a possibilidade real de vir adiante um período de vacas magras”. Faltou um planejamento?
Pezão - O que ocorreu na economia do Brasil e, consequentemente, no Estado do Rio, era impensável para qualquer especialista em economia, para qualquer político. Todas as projeções econômicas no primeiro trimestre de 2015 ainda apontavam um aumento, mesmo que pequeno, do PIB brasileiro. É muito importante salientar que a crise não é só do Estado do Rio, que foi mais afetado por causa da queda nos preços do petróleo e a queda muito aguda dos investimentos da Petrobras. Não haveria planejamento capaz de evitar essa crise, sobretudo porque o principal problema financeiro do Estado é a Previdência pública, que depende de legislação federal. Com a experiência dessa crise, os novos governantes poderão se preparar melhor para situações similares, mas infelizmente sempre haverá surpresas no caminho. Governar é saber lidar com esses imprevistos e estamos fazendo tudo o que está ao nosso alcance para que o Rio saia mais forte desse verdadeiro tsunami que atingiu o país.
Folha - No mesmo artigo, o senhor diz que “procurar responsáveis pelos problemas é sempre necessário, e cada um deve responder pelos seus atos, mas crises agudas e muito graves exigem em primeiro lugar providências para evitar o pior”. Com a adoção da recuperação fiscal e a perspectiva de melhora em até cinco anos, segundo avaliação oficial, o senhor pode apontar quem são os culpados por esta crise?
Pezão - Já tem gente demais ocupada em encontrar os culpados. Eu busco as soluções. Meu dever, minha missão é recolocar o Estado do Rio no caminho do equilíbrio fiscal e do desenvolvimento econômico. Quero que os servidores possam voltar a ter previsibilidade no recebimento dos seus salários, que seja retomada a normalidade na prestação dos serviços à população. Eu e minha equipe não temos medido esforços para isso. Não tenho tempo para julgamentos improdutivos.
Folha - O ex-governador Anthony Garotinho tem sido um dos seus adversários políticos nos últimos anos e do grupo político do PMDB, do qual ele já participou. Como o senhor acompanhou a prisão dele, condenado como “comandante de um esquema criminoso” de troca de Cheque Cidadão por votos na última eleição municipal?
Pezão - Não comento decisão da Justiça.
Folha - O senhor é membro, há 10 anos, do Governo do Estado, primeiro como vice-governador e secretário de Obras, e agora como governador. No que o senhor errou neste tempo?
Pezão - Assumo minhas responsabilidades. Como disse, uma tempestade perfeita aconteceu no Rio de Janeiro. Não foi fácil, mas nada disso nos desanimou. Com a ajuda dos Poderes da República e do Estado, em especial a Assembleia Legislativa, do presidente Michel Temer, do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o nosso estado está conseguindo vencer a crise. Ainda estamos em momento de dificuldade. É um momento de um ajuste profundo nas nossas finanças para equilibrar as contas. Como disse no artigo, há muitas lições a tirar desse difícil período. A primeira delas, e não vamos fugir da autocrítica, é que a gestão pública nos tempos de vacas gordas deve sempre levar em conta a possibilidade real de vir adiante um período de vacas magras. Não só no Rio, mas no Brasil todo, estivemos nos últimos anos habituados ao crescimento constante das receitas, e projetamos despesas sempre crescentes. Isso está errado.
Quero também deixar registrado um pedido de desculpas aos servidores e pensionistas. Sei os transtornos que esse período de dificuldades provocou na vida dos que oferecem ou ofereceram serviços de qualidade à população. Políticos são eleitos para enfrentar desafios, nunca para fugir deles, se escondendo atrás de justificativas. A missão do governante é levar todos a um lugar seguro. Neste momento, minha missão era levar o Rio até terra firme. Foi o que procurei fazer. Acredito que consegui cumprir a missão, com a ajuda de Deus.
Folha - Na última semana, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, condenou o ex-governador Sérgio Cabral a 45 anos e 2 meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e pertencimento a organização criminosa, além de ter participação apontada em um esquema desviava verbas dos contratos do Governo do Estado com empreiteiras. O senhor foi vice-governador e secretário de Obras de Cabral e teve apoio dele para sua eleição. O que dizer para parte da população que atrela a sua imagem aos escândalos envolvendo Cabral e membros do governo? Qual sua opinião sobre a situação do ex-governador?
Pezão - No início deste ano, pedi ao então ministro da Transparência, Torquato Jardim, inspeção especial em todas as obras. A do Maracanã foi aprovada por unanimidade no Tribunal de Contas da União. As obras do PAC das favelas, estamos demonstrando junto à Caixa Econômica Federal que ficamos dentro do limite permitido. Não tenho problema de discutir isso. Estou falando aqui da minha parte, fui coordenador de Infraestrutura e estou colocando aqui o que eu estou fazendo. Quem errou está pagando. Eu mesmo já tive investigações em cima. Ninguém quer fugir dessa responsabilidade. Ele (o ex-governador Sérgio Cabral) vai ter a oportunidade de se defender, como está tendo. É importante dizer também que o Estado foi fortemente afetado com a queda no preço do petróleo, cujo barril já chegou a 120 dólares. O Rio é produtor de 86% do petróleo nacional. E, aqui, 95% desses recursos dos royalties de petróleo vão para o fundo de previdência, para capitalizar a previdência do servidor público. Quando assumi o governo em abril de 2014, o preço do barril de petróleo havia caído pela metade do valor, e, um ano e meio depois, chegou a 28 dólares Então, o Tesouro teve de aportar uma volumosa quantia de recursos para cobrir essa diferença.
Folha - Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acatou o pedido do então procurador geral da República, Rodrigo Janot, para investigar a relação do senhor com a construtora Odebrecht, após a delação de ex-executivos da empreiteira relatar que repassaram dinheiro ilícito. Como o senhor pretende se defender da denúncia?
Pezão - Inicialmente, quero dizer que não é verdade que delatores da Odebrecht tenham relatado que recebi propina pessoalmente e em contas no exterior. Conforme a imprensa divulgou na ocasião, os delatores afirmaram que nunca trataram disso comigo. Portanto, reafirmo que nunca recebi recursos ilícitos e jamais tive conta no exterior. As doações da minha campanha foram feitas de acordo com a Justiça Eleitoral.
Folha - A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) manteve o veto do senhor à redução do próprio salário e do vice-governador Francisco Dornelles. Não é uma incoerência em um momento de crise?
Pezão - Antes é importante ressaltar que o meu salário, do vice-governador e do secretariado foram reduzidos em 10% em dezembro de 2015. A iniciativa de mais uma redução de 30% fazia parte do projeto inicial de ajuste fiscal que previa aumento da contribuição previdenciária de 30% para os servidores, rejeitada pela Assembleia Legislativa. Se a redução salarial de 30% fosse aplicada exclusivamente àqueles cargos, haveria inversão de hierarquia, ou seja, os salários do governador, vice-governador, secretários e subsecretários seriam menores do que o de seus subordinados.
Folha - Qual a opinião do senhor sobre o arquivamento pelo Congresso da denúncia de corrupção passiva contra Michel Temer e a nova denúncia de organização criminosa e obstrução de Justiça oferecida pela Procuradoria Geral da República contra o presidente?
Pezão - Como já disse, não cabe a mim julgar. Acho que todos têm direito a defesa. O presidente Michel Temer já está submetido a diversas investigações e se pronunciou, está se defendendo. Acho que é um momento único na história do país, onde quase todos os partidos, todas as lideranças políticas estão sendo submetidas ao jugo da Justiça. Tudo isso faz parte da democracia.
Folha - O Tribunal de Contas do Estado (TCE) encaminhou parecer prévio contrário às contas do seu governo no exercício de 2016, onde relata que o senhor não aplicou o percentual mínimo constitucional de 12% na área de Saúde. No entanto, a Alerj não considerou o relatório do TCE e aprovou as contas do Governo do Estado no ano passado. Foi uma manobra política?
Pezão - A contabilidade pública do Estado do Rio de Janeiro vivenciou uma calamidade financeira em 2016 e, em boa parte do ano, o acesso ao caixa foi impedido pelos bloqueios e arrestos. A Assembleia Legislativa compreendeu esse momento difícil e se manifestou pela aprovação das contas de maneira expressiva e incontestável.
Folha - Com a aproximação de 2018, crescem as movimentações nos bastidores da política visando as eleições do próximo ano. Como o senhor tem acompanhado o cenário na corrida ao Palácio Guanabara e ao Palácio do Planalto? Mesmo com a imagem desgastada, o senhor pensa em apoiar algum candidato? O que pensa em fazer ao final de seu mandato?
Pezão - Tenho uma missão, dada pela população, de cumprir meu mandato até o fim e tenho me dedicado exclusivamente a vencer a crise financeira do estado e buscar a retomada do Rio de Janeiro.
Folha - A Segurança Pública tem sido outro ponto que vem se agravando com a crise financeira. Além do problema crônico na capital, a migração de criminosos tem aumentado a criminalidade no interior. As ações das forças federais não surtiram grandes efeitos práticos na diminuição dos índices de violência e, recentemente, o senhor admitiu que ficou ciente da invasão de traficantes com fuzis à Rocinha, mas não interveio para evitar a morte de inocentes. Neste cenário complexo, como o senhor espera entregar o governo na área de segurança? Melhor ou pior do que como encontrou?
Pezão - O Governo do Estado vem priorizando a política de segurança, apesar de todas as dificuldades que tem enfrentado, ciente de suas responsabilidades e da importância da preservação da vida. Para o cumprimento dos seus objetivos, o Estado tem trabalhado de forma integrada com as forças federais. Não vamos recuar e vamos em frente, com firmeza, ao combate à criminalidade.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS