Alunos preocupados com a greve
Matheus Berriel 30/09/2017 17:42 - Atualizado em 02/10/2017 13:36
“Greve na Uenf é sinônimo de férias”. A afirmação é de Fernando Alves, estudante do 3º período do curso de Agronomia da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), que está sem aula há dois meses. O comentário postado no Facebook por Fernando, numa postagem do professor Marcos Pedlowski sobre a continuidade da greve, teve várias curtidas, simbolizando a insatisfação dos estudantes com a situação.
Procurado pela reportagem, Fernando Alves lembrou que as greves não são novidades na instituição, a maior de ensino superior público de Campos e região, e disse não acreditar que a greve seja benéfica de alguma forma. “No ano passado, foram meses de uma greve que não trouxe nenhum benefício. Pelo contrário, só aumentou o número de alunos evadidos. A atual greve aparenta ser mais ideológica do que em busca de melhorias, de interesses próprios”, destacou, fazendo alusão ao atraso nos salários dos servidores públicos estaduais, que recentemente tiveram acertados os pagamentos de maio, junho e julho, mas ainda não receberam o de agosto e o 13º do ano passado.
Natural de Porciúncula, Fernando vive em Campos há cerca de seis anos. No começo do ano passado, apesar de estar empregado, decidiu abrir mão da situação estável para realizar o sonho de ingressar na universidade pública. “Sei que ninguém merece trabalhar sem receber, mas deveria ter sido levado em conta o dia a dia do aluno, os gastos que nós temos para se manterem na cidade. Às vezes, penso que fiz uma escolha errada, porque é complicado ficar nessa incerteza. Não querendo jogar a culpa nos professores, mas eles mesmos estão destruindo a universidade aos poucos, destruindo os sonhos de muitos”, completou.
A insatisfação do corpo discente também foi relatada por Verônica Quirino, aluna do curso de Engenharia Metalúrgica e de Materiais. Em preparação para fazer sua monografia e iniciar os estágios, a estudante se recorda de ter enfrentado seis greves. Desta forma, além do adiamento da previsão para o término da graduação, ainda está tendo dificuldade para se inserir no mercado de trabalho. “Acaba afetando a credibilidade da Uenf. Antes, as empresas corriam atrás dos alunos da Uenf porque a universidade tinha um nome de peso. Hoje, com esse monte de greve, a gente está tendo muita dificuldade para conseguir estágio. As empresas estão correndo atrás de alunos de universidades particulares de renome, que também são boas, mas antes não eram tão valorizadas. Os alunos da Uenf estão sendo deixados de lado. A gente tem feito três semestres em um ano. A qualidade do ensino caiu muito nesse quesito. Aprender em três meses uma coisa prevista para seis, é muito complicado. E a gente não sabe quando as aulas vão voltar ao normal. Parada, a universidade fica ainda mais enfraquecida”, destacou.
À Folha, o professor Marcos Pedlowski, responsável pela postagem que iniciou a acalorada discussão no Facebook, disse que a rede social é um espaço democrático e que o debate deve sempre ser promovido. Porém, considerou que muitos dos alunos foram insensíveis e, com “comentários agressivos”, colocaram posições individualistas e egoístas. ”São pessoas muito vocais no Facebook, mas, quando chegam no cotidiano da instituição, simplesmente não comparecem às aulas ou não participam ativamente em qualquer causa coletiva. Não vou generalizar dizendo que são todas, mas algumas das pessoas são esses ‘guerreiros do Facebook’. Eu fiz o debate e tentei pautar a causa coletiva contra as causas individuais”, disse. (M.B.)
Pesquisas também sofrem com a paralisação
Sem aula para os cursos de graduação e pós-graduação, houve uma queda de 50% na movimentação do campus Darcy Ribeiro. Mesmo os estudantes que seguem realizando projetos de extensão e/ou com trabalhos nos laboratórios de pesquisa estão acabam prejudicados. É o caso de Pedro Costa Pessoa, aluno do 5º período do curso de licenciatura em Física, que tem trabalhado em cima da técnica fototérmica da Física da matéria condensada com alginato de sódio, composto extraído de algas marinhas marrons.
— Em muitos aspectos da pesquisa, a gente precisa de fundamentos das aulas que a gente ainda não viu e que fazem falta. Tem muita coisa avançada que a gente não sabe e, às vezes, faz mecanicamente. Nosso orientador tenta explicar, mas, mesmo assim, a gente precisa da base das aulas. Com a Uenf parada, isso acaba atrasando a pesquisa. Por mais que a gente ganhe tempo para se dedicar a ela, não temos o conhecimento suficiente que necessitamos para avançar — ressaltou Pedro.
Em matéria publicada há duas semanas pela Folha, o reitor da Uenf, Luis Passoni, havia dito que a greve fragiliza a universidade. “Nesse momento, a gente faria melhor se estivesse buscando manter as atividades acadêmicas e aproveitando esse espaço para discutir também a questão dos rumos que o país está tomando”, afirmou na ocasião.
A linha de pensamento do reitor segue a mesma. Porém, a perspectiva de retorno das aulas ficou ainda menor com o atraso no salário de agosto.
— A gente está num cenário bastante adverso. Fica muito difícil pedir que os professores voltem às suas atividades. Nós não recebemos o salário do mês passado e não há qualquer perspectiva de um calendário de pagamentos. Não tem o que possa falar. O Governo não pagou e não disse quando vai pagar. Quando o Governo não se posiciona, tudo fica mais difícil. Mas, tem também o outro lado. A greve está sendo muito longa. Para o estudante, principalmente, isso é muito ruim. Para nós, também. Acho que a gente deveria procurar outras formas de luta e reivindicação — enfatizou Passoni.
Uenf em greve
Uenf em greve / Paulo Sérgio Pinheiro
Aduenf descarta volta sem posição do Estado
Após a assembleia do último dia 27, onde os professores decidiram pela continuidade da greve, a presidente da Associação dos Docentes da Uenf (Aduenf), Luciane Silva, descartou a possibilidade de retorno das aulas sem a existência do calendário de pagamentos e um respaldo do Governo sobre a segurança no campus. Desde outubro de 2015, a universidade está sem receber repasses para manutenção, representando uma dívida na casa dos R$ 30 milhões.
— Se o governo estabelecer um calendário, voltaremos a nos reunir em uma nova assembleia para decidir se retornaremos ou não. Sem pagamento não há condições. Além disso, não podemos arriscar nossas vidas e a dos estudantes se não tivermos pelo menos uma ronda da Polícia Militar — pontuou Luciane.
A equipe de reportagem entrou em contato com o Governo do Estado, mas até o fechamento desta edição, as secretarias estaduais de Fazenda e de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Social não haviam se pronunciado.

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