Em seu novo trabalho, o filme “Mãe!” — estreia nesta quinta-feira (21), no circuito de Campos —, o diretor Darren Aronofsky estabelece uma nova linguagem que dividiu a crítica, principalmente nos Estados Unidos.
Em um longa totalmente apoiado em suas alegorias e metáforas, o diretor pretende recontar, à sua maneira, a história mais conhecida do mundo.
É muito difícil falar sobre “Mãe!” sem detalhar aspectos de sua trama e sem revelar os tão famosos “spoilers”. Isso porque o filme de Darren Aronofsky (“Fonte da Vida”, “Cisne Negro”) é totalmente calcado em representações, não fazendo muito sentido aquilo que se vê ou que se ouve, e sim o que aquelas coisas realmente significam. Um som de dor pode significar um terremoto, por exemplo, e as coisas permanecem assim pelos cento e vinte e dois minutos de duração do filme.
Uma jovem mulher (Jennifer Lawrence) reconstrói aos poucos a casa de seu companheiro poeta (Javier Bardem). A rotina do casal, que aparentemente vive isolado na moradia, é abruptamente interrompida com a chegada de um homem (Ed Harris, de “Expresso do Amanhã”) que é acolhido pelo poeta em seu lar. A partir daí, o local torna-se o cenário para toda uma legião de acontecimentos, personagens e loucuras que são terrivelmente testemunhados e vividos pela garota desnorteada.
A trama, descrita no parágrafo acima, não faz sentido algum e nem é mesmo para fazer. É apenas uma pantomima para o que o diretor e roteirista Aronofsky quer contar. Sua pretensão fica realmente à mostra no grande acontecimento que separa o primeiro do segundo ato. É a partir dali que você entende — se se deixar levar 100% pelas metáforas — onde tudo aquilo quer chegar e é aí que as coisas começam a andar em um trilho perigoso, um caminho em que você pode deixar de acompanhar o que está vendo, para brincar de adivinhação com o que está por vir. Tudo passa a ser muito pontual e evidente demais, e o que, até aquele momento, parecia dar um nó em nossa percepção, passa a ser telegrafado em demasia com o que a “segunda” história quer e precisa contar, não deixando qualquer espaço para interpretação ou mesmo imaginação.
Tecnicamente o longa é impecável. Visto totalmente pela perspectiva da personagem de Lawrence, a câmera de ombro à persegue implacavelmente pelas costas, só mudando o seu ponto de vista quando quer mostrar, bem de perto, as reações dela ao que está presenciando. A casa em si, que representa todo o mundo dos personagens, é um protagonista vivo efetivamente. Tem personalidade, acolhe e repele com o mesmo encanto, transformando-se durante a grande jornada. A sintonia da câmera (fotografia), com a movimentação da atriz e o frenesi dos outros personagens pela residência vivente é o melhor aspecto do filme. Ela emula a ação como uma grande peça de teatro, vista por dentro, que funciona tal qual um relógio atômico. O som, mesmo com a ausência total de trilha sonora, é um ponto importantíssimo da composição. Ele cronometra, assusta, pontua e enoja no mesmo tom.
Lawrence não é uma atriz iniciante, então nem chega a ser um surpresa a sua versatilidade na tela. Ora meiga e assustada, ora raivosa e protetora, a protagonista rouba o filme e ganha imediatamente a atenção, mesmo que nunca se saiba quem ela é de verdade. Seus arroubos de horror com a selvageria, tão habitual a nós como humanos, tornam-se imediatamente os nossos arroubos de horror. O personagem de Bardem e todos os outros da trama são apenas instrumentos para algo maior e para o desenvolvimento da protagonista e da história. Suas atuações, na verdade, pouco importam. São teatrais porque têm de ser e os atores se entregam a isso com louvor — você nunca viu a atriz Kristen Wiig (“Caça Fantasmas“) no papel que ela interpreta em “Mãe!”.
A economia do texto se deve ao fato de que é muito complicado falar sobre “Mãe!” sem estragar a experiência sensorial que ele pretende causar no expectador. É um filme para se visto e discutido imediatamente na porta do cinema. Um longa que causa um efeito raro no cinema hollywoodiano atual, no qual o seu cerne permanece conosco durante dias, gostando dele ou não.
É certo que Aronofsky calcou demais a sua saraivada de alegorias no que ele realmente queria contar. Tivesse um pouquinho mais de espaço para que nós mesmos pudéssemos montar o quebra-cabeças do nosso jeito, teria sido uma experiência infinitamente mais satisfatória. Pretensiosa ou não, esta obra permanecerá nas cabeças e nas línguas dos cinéfilos por muito e muito tempo.
E hoje, também, entram em cartaz, no circuito local, os filmes “Em Defesa de Cristo”, “O Assassino — O Primeiro Alvo” e “Divórcio”. Permanecem em exibição “Polícia Federal — A Lei É Para Todos”, “It — A Coisa”, “Emoji — O Filme” e “Feito na América”. (A.N.) (C.C.F.)