Edgar Vianna de Andrade
- Atualizado em 11/09/2017 18:08
(IT - A COISA) - Se você está distraído na rua e é surpreendido por um acidente de carros sem feridos, você se assusta. Se ocorre um assalto e a pessoa é morta na sua frente, você se aterroriza. Não é preciso o sobrenatural para espantá-lo. Falo isto porque a música é um elemento de susto nos filmes de terror produzidos nos Estados Unidos. Filme de terror daquele país deve ter música de clima e muito susto. A trilha sonora de Benjamin Wallfish e os truques do diretor Andy Muschietti concorrem muito para o sucesso que “It – A Coisa” vem merecendo de espectadores e da crítica. A novela de Stephen King que embasa o roteiro de Cary Fukunaga e Gary Dauberman não pode conter estes recursos. Quando a gente abre um livro, não sai nenhuma música dele.
Mais uma vez, estamos diante dos elementos clássicos do terror. Um lugar sombrio onde se ergue uma cidade do interior em que, ciclicamente, a cada 27 anos, forças malignas se manifestam e matam pessoas, sobretudo jovens. Uma das mais altas taxas de morte do país em termos proporcionais. A indefectível casa mal-assombrada, no estilo da casa na beira do abismo, de Hodgson, está lá como centro de tudo. Para completar, o medo excessivo e o sangue. O filme trabalha com os medos dos adolescentes e com as mudanças de corpo de uma menina. Do ralo de uma pia, jorra sangue e cabelo como se fosse uma grande vagina em tempo de menstruação.
No lar da adolescente Beverly Marsh (Sophia Lillis), existe um pai viúvo com desejos libidinosos com a filha. Na escola, os mais velhos praticam bullying pesado com os mais novos, tanto entre meninos como entre meninas. Existem grupos, e o que ocupa o centro da trama é o grupo dos otários, como seus membros mesmos se definem. A este grupo, juntam-se a menina vítima do pai pedófilo e Mike Hanlon (Chosen Jacobs), um menino negro que trabalha no abete de ovelhas. O ambiente favorece o clima de terror. O líder natural do grupo é um garoto gago. Há também Ben Hansom (Jeremy Ray Taylor), um gordinho sabido.
Logo de início, sou remetido aos filmes “Os Goonies”, de Richard Donner, e “Matador de ovelhas”, Charles Burnett. No primeiro, o centro é ocupado por um grupo de crianças e adolescentes aventureiros, entre eles um gordinho e um líder asmático. Em “It — A Coisa”, o líder é um gago, mas há um gordinho e um asmático. O segundo, pouco conhecido entre nós, narra a história de uma família negra cujo pai trabalha num abatedouro matando ovelhas.
Claro que “Os otários” livrarão a cidade das entidades malignas. Claro que o menino gago vai se revelar com os traços clássicos de um grande herói. Claro que os medrosos vencerão o medo e tornar-se-ão corajosos. Claro que haverá uma história de amor adolescente. Claro que os sustos devem levar as mocinhas da plateia aos gritos (elas ainda gritam mais que eles). É difícil fugir a esses jargões num filme que deseja bilheteria. Mas o medo se mostra postiço. Em suma, parece que a coragem dos adolescentes é meio artificial e a representação do medo não está bem ensaiada.
Mas vou valorizar o filme pelo que ele não mostra explicitamente ao espectador desavisado. Ele recria a atmosfera dos anos de 1980, toma um famoso autor como base, homenageia o gênero e outros filmes. No final, todos ficam avisados de que vem aí uma segunda parte.