O interminável ‘prende-solta’ em torno do empresário do setor de transportes Jacob Barata Filho, colocando de um lado o juiz federal Marcelo Bretas e de outro o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, foi notícia ao longo da semana na imprensa e nos telejornais, bem como objeto de manifestações de apoio a Bretas e protestos contra Gilmar.
Uma das principais concentrações aconteceu no Rio, reunindo artistas de renome, procuradores e magistrados, que seguraram faixa com os dizeres “BRETAS – O Rio está com você”. Os manifestantes cobraram, ainda, posição da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, ante mais uma frase infeliz de Gilmar: “Em geral, o rabo não abana o cachorro, é o cachorro que abana o rabo” – referindo-se à decisão de Bretas em decretar nova prisão de Barata Filho, novamente derrubada por ele, Gilmar.
Soltador-Geral – Com sucessivos habeas corpus que vão na contramão do que manifestamente deseja a sociedade, o ministro Gilmar beira a unanimidade: quase todos, do mais qualificado dos jornalistas ao simples do povo – seja nos veículos mais respeitados ou nas redes sociais – se colocam contra sua postura. Sem perder tempo, os desafetos logo lançaram... “O soltador-geral da República”, enquanto as charges congestionam as redes sociais, entre elas a mais famosa, do ilustrador mineiro Duke, publicada em maio, em que um passarinho solto sugere a outro que está preso na gaiola: “Já tentou com o Gilmar Mendes?”
A quem o habeas favorece
Jacob Barata Filho, dono de uma das maiores frotas de coletivos do Rio, acusado pelo Ministério Público Federal de pagar propinas a autoridades fluminenses e de integrar organização criminosa que movimentou R$ 260 milhões para garantir contratos milionários com o governo Sérgio Cabral, tem sido alvo de repetidos pedidos de prisão feitos pelo Ministério Público Federal, acolhidos por Marcelo Bretas face ao farto arsenal de evidências contra ele.
Investigado na Lava Jato na operação batizada de “Ponto Final”, o “Rei dos Ônibus” chegou a ser preso no mês passado, no Aeroporto Tom Jobim, quando estava prestes a embarcar para Portugal em suposta tentativa de fuga. As passagens encontradas com ele eram apenas de ida. Mas Gilmar mandou soltar. Bretas, então, decretou nova prisão. Gilmar, nova soltura.
Suspeição – A determinação de Gilmar Mendes em manter Jacob fora das grades suscitou pedido do procurador-geral Rodrigo Janot ao STF no sentido de que o tribunal declare a suspeição de Gilmar Mendes nos casos envolvendo Barata Filho, argumentando a existência de “vínculos pessoais que impedem o magistrado de exercer com a mínima isenção suas funções no processo”.
Refere-se, Janot, ao fato de Gilmar ter sido padrinho de casamento da filha de Jacob Barata Filho. Além de outros laços elencados, o procurador-geral destaca que a mulher do ministro, Guiomar Feitosa Mendes, trabalha no mesmo escritório de advocacia que representa os interesses de Jacob.
Indo ainda mais longe, a Associação Nacional dos Procuradores da República reivindicou que a presidente da STF leve ao plenário da Corte o pedido de suspeição de Gilmar.
Polêmicas de Gilmar desgastam STF
Muito embora seja comum que, vez por outra, determinado ministro tenha entendimento isolado, por vezes até com linha de argumentação exótica e frontalmente contrária ao que decide o colegiado, – no caso de Gilmar Mendes afigura-se que a exceção tem se mostrado como regra, o que pode comprometer a imagem do STF como instituição, num Brasil já tão combalido por crises.
Barbosa cita “capangas” – Numa sessão de 2009, Gilmar Mendes, então presidente do STF, bateu boca com um enfurecido Joaquim Barbosa, que chegou a dizer que ele (Gilmar) estava na mídia “destruindo a credibilidade do judiciário brasileiro”.
Não obstante interferência dos colegas em nome da “liturgia do cargo”, o clima esquentou quando Gilmar disse que Barbosa não tinha condições de dar lição de moral. “E nem vossa Excelência, que está destruindo a justiça deste país” – retrucou Joaquim Barbosa.
A observação levou Gilmar a dar gargalhadas, o que provocou ainda mais a ira de Barbosa: “Saia à rua, ministro Gilmar... Vossa excelência não tem nenhuma condição... Quando vossa excelência se dirige a mim, não está falando com os seus capangas no Mato Grosso”.
Sem nenhuma condição de prosseguir, a sessão foi encerrada por sugestão do então ministro Ayres Britto, o que não evitou o vexame na Corte Suprema do Brasil.
Descascar o abacaxi
Com a sociedade brasileira mais antenada do que nunca, é necessário que a ministra Cármen Lúcia – que já deu inúmeras mostras de aguçado senso republicano, entre outras virtudes – interfira com singular equilíbrio visto que a Corte, não obstante tenha que ser preservada em sua condição de instância máxima, por outro lado não se deixe marcar por posições pessoais e bravatas, do gênero quem pode mais faz descer ‘goela abaixo’, e ponto, particularmente quando a supremacia não se coaduna com o bom senso.
De mais a mais, definições com rigores técnico-jurídicos à parte, será que o ministro Gilmar não avista “suspeição alguma” em sendo padrinho de casamento da filha de quem não cansa de mandar soltar?