Aluysio Abreu Barbosa
12/08/2017 19:55 - Atualizado em 14/08/2017 15:57
A Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Darcy Ribeiro completa 10 dias de paralisação neste domingo (13). A greve na maior instituição de ensino superior de Campos e da região foi decretada no último dia 3 pela Associação de Docentes da Uenf (Aduenf), que teve a adesão dos servidores administrativos no dia 8. E ela será mantida até que o governo Luiz Fernando Pezão (PMDB) deposite em conta os salários de maio, junho e julho de 2017, além do 13º de 2016, dos 950 funcionários (310 professores e 640 servidores técnicos e administrativos) da universidade, que não recebe verba de manutenção, estimada em R$ 2 milhões/mês, desde outubro de 2015. A situação chegou ao ponto de servidores e professores terem que recorrer à doação de cestas básicas, distribuídas pelo Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais do Rio de Janeiro (Sintuperj), para terem o que comer.
Ciente da gravidade da situação, o reitor da Uenf, professor Luis Passoni, passou a última terça (8) no Rio de Janeiro, em reuniões na secretaria estadual de Ciência e Tecnologia, no Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Delas, Passoni trouxe uma notícia que seria confirmada no dia seguinte: o leilão da folha de pagamento dos servidores pelos próximos cinco anos, vencido pelo Bradesco, que fará um aporte ao Estado de R$ 1,3 bilhão. A partir disso, Pezão prometeu quitar os atrasados de maio, junho e julho dos servidores, nesta semana que se inicia.
Mas isso basta para sanar os danos já impostos à Uenf? Não para o seu reitor:
— Os prejuízos causados às pessoas e à universidade são difíceis de calcular. Muitos colegas se desfizeram de patrimônio, se afundaram em empréstimos, tiveram suas vidas completamente desestruturadas e ainda sofrem a ameaça de ter a aposentadoria usurpada. As filas que se formam aqui nas sextas-feiras, de servidores que outrora tiveram vida digna, e hoje vêm buscar uma cesta básica doada pela comunidade, cortam o coração e a esperança. Agora há uma nova promessa de acerto dos salários atrasados, mas e o prejuízo moral e material? Como será compensado? Mesmo que se concretize essa nova promessa, como vamos recuperar tudo o que foi perdido? É preciso criar mecanismos que evitem que isso volte a acontecer, além de lembrar das pessoas e partidos que nos colocaram nesta situação, temos que avançar rumo à autonomia de execução financeira para as universidades.
Prefeito de Campos, que tem vários quadros de primeiro escalão do seu governo formados na Uenf, Rafael Diniz (PPS) bateu ponto na defesa da universidade:
— A Uenf é um dos maiores ícones do ensino público superior no país, e com muita tristeza tenho acompanhado a situação que a universidade atravessa. Não apenas alunos, professores e servidores administrativos da universidade sofrem com a falta de planejamento, mas toda a população de Campos e região contemplada com importantes pesquisas desenvolvidas pela instituição. Desde quando exerci meu mandato de vereador, defendo a aproximação das universidades com a gestão municipal, trazendo para perto pessoas que já debatem questões para a gestão pública. Hoje, a universidade arca com as consequências da falta de ajustes que, principalmente, em momentos de crise se fazem necessários. E mesmo diante das dificuldades financeiras que o município atravessa, não podemos ver esta situação e ficar de braços cruzados. Dentro das possibilidades, desde o início do ano a Prefeitura vem auxiliando a Uenf Vejo sua situação como a da Prefeitura de Campos, onde temos feito de tudo para evitar o colapso. Muitas medidas não são fáceis de serem tomadas, mas precisam acontecer. Abraçar a Uenf é um dever de todos. Valorizá-la é pensar Campos além dos royalties.
Presidente da Câmara Municipal de Campos, o vereador Marcão Gomes (Rede) bateu forte no governo estadual que deixou a situação da Uenf chegar onde está:
— A Uenf é considerada a segunda melhor universidade do estado do Rio e está entre as 13 melhores do país. A instituição oferece 16 cursos de graduação presenciais, duas licenciaturas semipresenciais e 14 cursos de pós-graduação, tendo aproximadamente seis mil alunos. São características que demonstram sua importância e torna inimaginável e incompreensível como o governo do estado permitiu essa triste situação dos servidores e alunos sem regularização dos salários e bolsas. Considero inaceitável a forma como a instituição vem sendo tratada pelo governo e a inércia de quem pode agir e se omite. Isenções fiscais a empresas como cervejarias, joalherias, fabricantes de automóveis e outros não pode ser mais importante que nossa universidade.
Descendo pelo rio Paraíba do Sul, em cuja margem a Uenf foi instalada, a luta em sua defesa também tem porto em São João da Barra. Para a prefeita Carla Machado (PP), a situação da universidade chegou ao limite:
— Há tempos que nos preocupa a situação pela qual passa a Uenf, uma instituição de ensino que é referência em termos de educação e tecnologia, sendo um orgulho para a nossa região. A situação parece ter chegado ao limite, com funcionários sem receber desde abril e aulas suspensas há quase duas semanas. Somos sabedores da crise econômica enfrentada pelo Governo do Estado, mas com a homologação do acordo de recuperação fiscal, temos esperança que se resolva logo a questão salarial a partir de um olhar mais atento para a Uenf.
Prefeita de Quissamã, Fátima Pacheco (PTN) refirmou o caráter regional da luta em defesa da Uenf:
— A Uenf sempre se destacou na nossa região como uma instituição de excelência na qualificação e no fomento do desenvolvimento regional. É com muito pesar que presenciamos os problemas da instituição, de seus alunos e funcionários se agravarem. A educação é um importante instrumento de transformação social e deve ser sempre a prioridade da administração pública. Torcemos pela resolução das questões inerentes a entidade que sempre foi referência regional.
Quem se colocou à disposição para tentar ajudar a Uenf junto à União foi o deputado federal Paulo Feijó (PR):
— Reconheço a importância da Uenf para a nossa região e o Brasil. E acredito que, através do meu mandato, posso ser útil à universidade junto ao governo federal, junto ao ministério da Educação (MEC). Mais uma vez me coloco à disposição da direção da UENF para ajudá-la na esfera federal, por exemplo, com apresentação de emenda parlamentar de valor significativo para ajudar neste processo de recuperação da universidade. Mas eu dependo de ser demandado, de me apresentarem a melhor forma de auxiliar. Estou à disposição para recebê-lo
Deputado estadual, Bruno Dauaire (PR) tem mantido diálogos com a reitoria da Uenf, a Aduenf e o Sintuperj, além do secretário estadual de Ciência e Tecnologia, o deputado estadual licenciado Gustavo Tutuca (PMDB), no sentido de buscar soluções para a universidade:
— Salvar a Uenf, protegê-la do desmonte imposto pela irresponsabilidade de governantes, representa muito mais do que a manutenção de um patrimônio em si. Porque se é de crise que estamos falando, e que afeta todos os setores, o caminho para a recuperação do Estado do Rio está na educação de ponta, na pesquisa e na extensão. É o universo acadêmico que vai nos dar as respostas, que vai nos permitir sair deste momento extremamente difícil. Tenho mantido um diálogo permanente com a reitoria, a Aduenf e o Sintuperj. Nesta semana estive com o secretário Gustavo Tutuca e voltei a cobrar soluções urgentes. Também estou lutando para a aprovação de uma PEC que apresentei desde 2015, prevendo a destinação de 6% da receita tributária líquida para as universidades estaduais. Não podemos permitir que a Uenf continue sendo sucateada.
Apesar de ser do mesmo partido de Pezão, quem também tem mostrado empenho na defesa da Uenf é o deputado estadual Geraldo Pudim (PMDB):
— A Uenf é um patrimônio de todo o Rio de Janeiro, uma conquista do nosso povo, que hoje sofre os efeitos da grave crise que vive o país e principalmente o Estado do Rio. Eu tenho trabalhado incansavelmente para ajudar a instituição. Destinei R$ 10 milhões em emendas parlamentares que tinha direito, fui a ponte entre a reitoria e o governo, repassei verba da Alerj e tenho buscado soluções para a crise que a instituição passa. Acho justo que seus servidores busquem pressionar os governantes e uma das ferramentas é a paralisação, mas vejo também que com o acordo assinado recentemente entre o Governo do Estado e o Governo Federal, o governador terá condições de colocar em dia os salários e repassar as verbas necessárias para que a universidade retorne com seu ensino de excelência.
Quem também lamenta a situação da Uenf é o deputado estadual Gil Vianna (PSB):
— Compreendemos que as situações financeira e econômica estejam críticas em todo o país, não apenas no Estado do Rio de Janeiro. É uma bola de neve que só cresce, não poupando nem as principais instituições de ensino federais e estaduais. A Alerj tem feito a sua parte no sentido de tentar amenizar os impactos negativos na vida desses servidores, estudantes e cidades beneficiadas com a pesquisa de alta qualidade desenvolvida na Uenf. Os prejuízos já estão grandes, mas se a universidade fechar de vez, serão ainda maiores. Sinto uma grande tristeza como cidadão campista, como servidor público e como deputado estadual, porque a Uenf foi uma conquista para a nossa região, que não queremos e não podemos perder.
Membro da base governista na Alerj, o deputado estadual João Peixoto (PSDC) pediu confiança na relação com o Estado, comprometida por inúmeras promessas descumpridas pela administração Pezão:
— A Uenf é uma instituição de excelência de conhecimento e pesquisa, que tem contribuído para a formação de milhares de universitários. A grave situação econômica e financeira que atravessa o nosso Estado vem afetando a universidade de maneira acentuada. Os servidores passam por inúmeras dificuldades, que afetam seu bem estar, sua confiança e sua própria dignidade. Existe a previsão de que nos próximos dias, o governo do Estado regularize esses pagamentos, com a entrada de recursos nos cofres públicos. Isso trará um alívio a esses servidores, que aguardavam essa solução há meses. É fundamental que exista confiança entre governo e sociedade.
Representante da confiança perdida, a presidente da Aduenf, professora Luciane Silva é testemunha das dificuldades enfrentadas pelos profissionais da Uenf. Para ela, a situação por que hoje passa a universidade é fruto de um projeto pensado do governador:
— Creio que o mais importante a considerar sobre os docentes da Uenf é que, em muitos casos, temos realizado nossas atividades de ensino, pesquisa e extensão, financiado material para estas atividades com nossos próprios recursos. Desde papel de provas até gasolina para realização de saídas a campo. Considerando que nossa excelência é resultado da prática, do experimento, da ida à praça para enquetes e entrevistas, como seguir trabalhando sem salário? Se a cada mês os juros têm minado mais e mais as economias daqueles que vivem exclusivamente do trabalho na universidade? Não é possível aceitar o discurso da crise quando vemos os gastos do governo e a pouca transparência em relação à arrecadação do Estado. Ao escolher pagar algumas categorias e não outras, principalmente ao não pagar os aposentados, Pezão explicita seu projeto de ataque e desmonte da educação, ciência, tecnologia e desenvolvimento. Darcy Ribeiro, idealizador da Uenf, dizia: a crise da educação não é uma crise, é um projeto.
Também professor da Uenf, além de colaborador da Folha, o cientista político Sérgio de Azevedo analisou os efeitos da crise na universidade. E pregou a união para evitar um retrocesso:
— Apesar de jovem, a Uenf se encontra entra as 10 melhores universidades do Brasil. Ela foi uma “invenção” ousada e vitoriosa de Darcy Ribeiro ao incorporar novidades de suas experiências anteriores no Brasil, como na Universidade de Brasília, e no exterior. Infelizmente devido à crise econômica e política do Brasil e a fragilidade do Estado do Rio desde o início do atual governo de Pezão, a Uenf tem sido sucateada. Tanto em relação as verbas necessárias para desenvolvimento de pesquisas, como de manutenção do campus universitário. Além disso, o vergonhoso atraso de pagamento dos professores, funcionários e terceirizados afeta fortemente a universidade. Neste momento de crise financeira e de forte corrupção do Estado cabe a todos nós, que vivemos, trabalhamos ou estudamos em Campos, criarmos forças para evitar um retrocesso às nossas futuras gerações.
Outro professor da universidade e colaborador a Folha, Sérgio Arruda endossa a tese de que a crise na Uenf seja fruto de algo pensado. E pregou resistência:
— De todas as crises pelas quais passamos nos últimos decênios, esta é a mais grave por não ser só contingente, mas programada, além de moral, ou melhor, imoral. Tal crise tomou o Estado brasileiro de assalto, com ações cujas consequências se distribuíram nocivamente por todos os setores da vida nacional. Todos eles nos afetam e é nosso dever cívico reagirmos. Por isso, nós, professores e técnicos da Uenf, estamos certos em resistir aos ataques oficiais contra a ciência e a educação. Não passarão.
Historiador e professor aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF), Aristides Soffiati é o colaborador mais longevo da Folha. Como o jornal, ele também abraçou a causa da Uenf, mas aconselhou sobriedade:
— Darcy Ribeiro era um otimista e sonhador. A Uenf foi um sonho maravilhoso que ele teve, assim como muitos outros. Ninguém imaginaria que um governo pudesse acarretar tanto sofrimento a uma universidade de excelência como a Uenf. Ela só não agoniza por ter um espírito de resistência expresso por seus professores, alunos e funcionários, além daqueles que não integram seus quadros, mas a amam. Estou nesse público e me solidarizo integralmente pela luta da universidade para não cerrar ruas portas. Por outro lado, entendo que de nada adianta os lamentos e críticas ao governo do Estado. É preciso manter a cabeça fria e buscar soluções adequadas para revitalizar a Uenf. Alguma luz já começa a surgir no fim do túnel. É preciso buscar essa luz com sobriedade.