Jornalismo e petróleo: 40 anos
Aluysio Abreu Barbosa 19/08/2017 12:58 - Atualizado em 22/08/2017 15:28
Em agosto deste ano se comemoram os 40 anos do início da exploração de petróleo na Bacia de Campos. O primeiro carregamento, com 45 mil barris extraídos do campo de Enchova, foi revelado ao mundo em 14 de agosto de 1977. Naquele dia, a capa do Jornal do Brasil (JB), então o maior do Estado do Rio, noticiou o fato com exclusividade, graças ao trabalho de uma dupla de jornalistas campistas: Aluysio Cardoso Barbosa, que no ano seguinte fundaria a Folha da Manhã, e Esdras Pereira, colunista e blogueiro deste jornal.
A história atrás da matéria, furo jornalístico de repercussão internacional, é uma prospecção à parte. De um tempo sem internet, fax, celular ou câmeras digitais, mas com ditadura militar (1964/85), muita adrenalina e uma obsessão: contar uma história antes de todos. Entre os maiores momentos do JB, jornal que fez escola de gerações de profissionais da área, o episódio está narrado nas páginas do livro “Jornal do Brasil — História e Memória”, da jornalista Belisa Ribeiro.
Como Aluysio morreu em 2012, também num mês de agosto, quem revive a história é Esdras. Pelas várias capas emplacadas no JB, com reportagens de Aluysio e fotos de Esdras, a dupla ficaria conhecida na mídia carioca como “Os caçadores de primeira página”. E o furo da capa do JB de 14 de agosto de 1977, com o primeiro carregamento de petróleo na Bacia de Campos, da plataforma Cedco-135-D ao navio petroleiro Água Grande, foi fruto também do orgulho profissional ferido.
Dois anos antes, Aluysio noticiara pela primeira vez no JB que havia petróleo em quantidade comercial no litoral de Campos. Mas o fato passou a ser sistematicamente negado pelo governo brasileiro nos tempos da ditadura:
— Aluysio ficou mordido com aquilo. Embora fizesse de tudo como correspondente do JB no Norte Fluminense, ele foi um repórter que se especializou na agroindústria sucroalcooleira. Bem antes do açúcar e do álcool serem substituídos pelo petróleo como eixo econômico da região, ele já tinha feito essa migração como jornalista, se especializando também no novo assunto, em contatos com engenheiros, pesquisadores e diretores da Petrobras. Era um profissional muito sério. E era reconhecido por isso. A partir das “informações de coxia” que ele colhia nessas conversas, Aluysio era muito convicto de que havia petróleo na Bacia de Campos— lembra Esdras.
O sucesso profissional da dupla de jornalistas vinha também de um método de trabalho próprio, baseado no hábito de sair de carro pela região, sem destino certo ou pauta prévia, à caça de matérias. Foi assim que os dois acabaram em Atafona, numa tarde invernal de 1975, de chuva fina e vento sudoeste. Passando de carro pela av. Atlântica, à beira mar, eles viram duas tendas grandes armadas na praia, com uma grande antena de rádio, no trecho entre o antigo Farol, que o mar atingiria em 1981, e o Hotel Cassino, ainda de pé.
Curioso com aquele acampamento nas areias de Atafona, Aluysio parou o carro e, junto com Esdras, caminhou até as barracas. Nelas, um rádio operador brasileiro revelou que havia sido descoberto petróleo em quantidade comercial na Bacia de Campos. Num tempo de tecnologia bem mais limitada, o entrevistado tinha como função fazer a comunicação entre os navios de prospecção em alto mar e as sedes da Petrobras e das empresas estrangeiras que estavam trabalhando na operação.
— Por uma questão estratégica, os militares guardavam aquele segredo a sete chaves. Era uma época de censura aos meios de comunicação. E aquilo era tratado como caso de Segurança Nacional. Mas assim mesmo, dois anos antes do primeiro carregamento, Aluysio emplacou a descoberta de petróleo no JB.
As negativas da notícia pelos generais, que governavam o Brasil com mão de ferro, acabaram desmentidas pelo desenrolar dos fatos. Era 13 de agosto de 1977 quando Esdras foi cobrir, sob o sol do meio-dia, uma pauta corriqueira pelo jornal A Notícia, à época o de maior circulação em Campos: o estado de conservação da pista do aeroporto Bartholomeu Lyzandro. Ele foi sem seu parceiro. Já em vias de fundar a Folha, Aluysio estava acamado por motivo de saúde.
Ao perceber um estrangeiro no saguão do aeroporto de Campos com uma “maleta 007” e falando em inglês, mas sem dominar o idioma, Esdras pediu a um piloto da Votec, empresa de helicóptero que foi uma das primeiras a servir a Petrobras, que o ajudasse na tradução. Perguntado sobre o que fazia ali, o “gringo” não teve meias palavras. Estava trabalhando no dimensionamento do primeiro carregamento comercial de petróleo na Bacia de Campos, que já estava acontecendo naquele momento.
Ao conseguir com a fonte inesperada a longitude e a latitude da operação em alto mar, Esdras foi correndo à casa de Aluysio. Quando disse do que se tratava, o jornalista deu um pulo da cama, em súbita recuperação, pela chance de finalmente poder confirmar o que tinha noticiado dois anos antes, mas era negado por Brasília.
Os dois recorreram então a um amigo comum, o industrial Geraldo Coutinho, proprietário da Usina Paraíso. Ele tinha um avião bimotor e havia contratado como piloto um ex-militar português, veterano da Guerra de Independência da Angola (1961/74). Com a malandragem de quem já tinha voado em várias missões de combate, o lusitano informou ao controle de voo um plano de ida e volta ao Farol de São Thomé.
Ao chegaram à praia campista, o piloto desceu com os dois jornalistas a uma altitude mínima, quase roçando as ondas, para que não fossem detectados pelo radar. O destino real eram as coordenadas do carregamento de petróleo, a 56 milhas do litoral. Quando chegaram à plataforma abastecendo o petroleiro, por uma tubulação de mais de 200 metros, o avião voltou a subir para permitir os registros fotográficos. Deram três voltas sobre a área, com a aeronave voando de lado, para que as suas asas baixas não atrapalhassem o ângulo das lentes da Nikon F2.
Com uma delas, a teleobjetiva de 200 mm, Esdras notou que alguém no deck do navio observava o avião com binóculos, passando seu prefixo para outra pessoa, que anotava numa prancheta. E avisou a Aluysio, que determinou o retorno, depois do fotógrafo bater dois filmes de 36 poses cada. Era o final de tarde daquele dia agitado, mas que ainda guardava mais adrenalina em busca da notícia. E ela jorrou mais forte no sangue quando, pelo rádio da aeronave, os três foram comunicados que tinham invadido um espaço aéreo fechado por questão de Segurança Nacional.
A noite já caíra quando os três finalmente começaram a sobrevoar de volta o Bartholomeu Lyzandro. Pela janela do avião, os jornalistas notaram, sob um poste de luz do aeroporto, que uma Kombi branca, da Polícia Federal (PF), os estava aguardando. Era conhecida em Campos por ter também os vidros pintados de branco, para que ninguém soubesse quem estava sendo conduzido, num tempo que o regime militar não se importava em recorrer à tortura para conseguir o que queria, ou calar quem quisesse.
Quando o bimotor pousou, foi até o final da pista para fazer a volta até o desembarque. Neste momento, o piloto desligou rapidamente o avião, para que suas hélices não atingissem Esdras. Orientado por Aluysio, ele desceu pela asa e se jogou sobre a capim-colchão, plantado em volta da pista para tentar amenizar qualquer eventual impacto num pouso forçado.
Com a máquina numa mão e a chave do carro de Aluysio na outra, Esdras caminhou abaixado pelo mato até o aeroclube, onde estava estacionado o Chevette amarelo do parceiro. Ligou o carro e, com os faróis apagados, saiu sorrateiramente do aeroporto, enquanto Aluysio e o piloto eram presos pela PF tão logo desceram do avião.
Numa época em que telefone residencial era símbolo de status social, Esdras foi direto ao posto da CTB (Companhia Telefônica do Brasil), no cruzamento da 13 de Maio com a Formosa, e fez um interurbano à redação do JB. Nele, comunicou o furo de reportagem, além da prisão do colega jornalista e do aviador português. Depois foi para casa, onde mantinha seu laboratório, revelar as fotos.
Como não tinha à disposição um aparelho de telefoto, usado para passar fotografias à distância antes da internet, e não havia mais horário hábil para enviar o material por ônibus, visando à edição do jornal do dia seguinte, Esdras teve que voltar ao aeroporto. Lá, constatou que Aluysio e o piloto estavam presos numa sala fechada, onde eram interrogados pelos agentes da PF. A fila do embarque do último voo de carreira já estava andando quando ele pediu a um usineiro de ascendência inglesa que levasse as fotos, num envelope pardo, que seriam pegas por alguém do JB no Santos Dumont, no Rio.
Diante da negativa antipática, um outro passageiro, desconhecido, se ofereceu para levar a “encomenda”. Sem outra solução, Esdras lhe entregou o envelope com as fotos e voltou ao posto da CTB, para informar ao JB as características físicas e roupas do mensageiro improvisado. Paralelamente, o jornal carioca já trabalhava nos bastidores, junto aos militares, para liberar o repórter campista e o piloto português, veteranos de guerras distintas.
No dia seguinte, a capa do JB estampava a foto de Esdras, com as informações de Aluysio na legenda:
— Ligado à plataforma marítima Cedco-135-D por uma mangueira de mais de 200 metros de comprimento, o petroleiro Água Grande espera, a 56 milhas do litoral, completar sua capacidade de 45 mil barris para levantar âncoras, provavelmente na próxima sexta-feira, transportando o primeiro carregamento de petróleo do campo de Enchova para as refinarias da Petrobras. Ontem, ao meio-dia, funcionários da empresa que operam em outra plataforma na unidade Penrod-62 (P-6) anunciavam entusiasmados a conclusão, com êxito, de mais uma missão. “Encontramos muito óleo no poço que estávamos perfurando e nas próximas 48 horas a P-6 mudará de lugar”, disseram. O próximo poço da área a entrar em produção será o que está sendo perfurado pela plataforma Zephir II.
O jornalista confirmou sua história e a tornou conhecida no Brasil e no mundo. A partir dela, pelas quatro décadas seguintes, a cara de Campos e da região nunca mais seria a mesma.

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