Folha Letras - Em busca da liberdade
Fábio Bottrel - Atualizado em 10/08/2017 19:26
Erasmo sentiu o coração vir à garganta e palpitar suas veias, a comoção o impediu de falar, abria a boca mas o som não saía, como se o coração estivesse entalado no pescoço e o estivesse sufocando.
— Encontramos o carro roubado que foi usado no sequestro encostado perto de uma mata há 50 km daqui. Nossa equipe já mapeou o local e há uma casa dentro da floresta com grande potencial de estar sendo usada como cativeiro.
Levantou-se, indicando que a operação aconteceria neste exato momento.
— Você vem com a gente.
Era tudo que Erasmo queria escutar.
Saindo daquela pequena sala encontra o policial que o acompanhou bebendo água na recepção, toca em seu ombro e ainda sente um pouco de dificuldade para falar.
— Motorista...
Erasmo aponta, tenta se expressar com sinais, está muito nervoso.
— Senhor, tome um copo d’água, não precisa se apressar. Pode falar com calma – diz o policial, enquanto enche um copo de água para lhe entregar.
Assim que Erasmo dá uma grande golada no copo, seus nervos umedecem junto com seus tecidos, ficando mais lento, reencontrando sua paz interna. Tem uma longa respiração e tenta falar novamente.
— Quem é o motorista?
— Não sei, isso não é do nosso departamento. O carro e o motorista são responsabilidade de uma empresa terceirizada que presta serviços de segurança. O senhor pode se informar no balcão.
— Ok.
Ao sair da delegacia em busca do motorista, percebe que ele desaparecera. Vai até o carro, olha-o por dentro e nada. Vê outro policial na escadaria da delegacia e corre em sua direção para perguntar-lhe.
— Você viu o motorista desse carro?
— Não... quando cheguei já não tinha ninguém ali.
Os investigadores se estranham com a movimentação de Erasmo e vão até ele.
— O que houve?
— Ele estava aqui. O sequestrador.
— Como?!
— O motorista. Deve ter vindo conferir as investigações ou ter comigo, mas esse desvio de caminho atrapalhou os seus planos.
— Ligue para a empresa de segurança agora mesmo! — grita um investigador para o policial que toma um susto com tamanha agitação inesperada. Imediatamente acata à ordem e traz o telefone com o responsável na linha.
— Protege, empresa de segurança, boa tarde. Com quem falo?
— Edgar, investigador do caso Jéssica. Preciso do nome e endereço do motorista que vocês acabaram de enviar, imediatamente!
— Senhor, nós não enviamos nenhum motorista.
Caindo em si, rapidamente desliga o telefone e dá ordem para fechar o cerco há cinco quarteirões; pelo tempo que se passou, ele não deve estar longe.
Os policiais se dispersam por todas as ruas até fecharem toda a área determinada. Nenhum carro passava, nem pedestre sem se identificar, todos os prédios foram revistados, apartamento por apartamento, casas e estabelecimentos comerciais, havia um exército de policiais nas ruas.
Erasmo avistara um homem com a mesma estatura e fisionomia do motorista que tinha visto. Relevando as limitações da sua idade que o fazem sentir no corpo, correu até o homem que estava bem à frente no outro lado da rua, puxou-o pelo ombro e ficou cara a cara. Precisou de um tempo para ter certeza que não era ele, não só pelo nervosismo e cansaço que lhe tropeavam a mente, mas pela semelhança que o homem representava. Levantou os braços para que os policiais que o seguiam não agissem, tinha se enganado.
Não haviam encontrado nada e o tempo estava passando. A tropa de elite integrante de uma parte de todo o batalhão que fazia o cerco foi redirecionada para uma nova missão: resgatar Jéssica antes do anoitecer.
A agonia misturava-se com a ansiedade em reencontrar sua filha, cada minuto durante a viagem de encontro à liberdade dela fora intenso, seu corpo parecia não querer suportar tamanha pressão. Já era quase noite, o céu estava roseado com o efeito das nuvens, tinha tudo para ser um lindo dia, marcante e esplêndido, o dia de uma nova vida.
— Chegamos – disse o investigador ao adentrar com o carro numa estrada de chão onde já se podia ver a mata.
Todos os três carros cheios de policiais preparados para a operação continuaram sua jornada até avistarem a caminhonete que procuravam. O sinal veio do primeiro carro, todos estacionaram e desembarcaram, armados até os dentes, a touca na cabeça impossibilitava discernir entre um e outro.
Passaram os olhos rapidamente pela caminhonete, mas não havia ninguém. Olharam pela carroceria, também vazia. Os policiais se dispersaram formando um meio círculo e entraram na mata. O rosado do céu aos poucos foi substituído pela escuridão da noite, mas os homens estavam bem equipados, tinham lanternas não só em suas armas, como também em seus capacetes. Usando as árvores como escudo, eles avançaram intercalando-se entre elas até chegar à casa, que se encontrava toda vedada. É impossível saber se há alguma luz vindo de dentro, aparenta estar abandonada.
Silenciosamente, os policiais se posicionam ao lado da porta, estão prontos para entrar. O líder dá o sinal para que arrombem.
***
Minutos antes
Ao chegar a casa, ainda do lado de fora, Tango escuta barulho de socos na porta e percebe que a casa não está muito bem vedada. Entra imediatamente, fechando as duas portas de segurança que existem. Ao passar pela sala nota a televisão ligada, já fora de sintonia, transmitindo apenas alguns ruídos. Aproxima-se e pressiona o primeiro botão, desligando-a.
O barulho de pancadas na porta continua emitindo um eco metálico, Tango sobe as escadas e encontra Jéssica transtornada, esmurrando a porta de ferro com toda a sua força. Deduz que ela tenha visto a entrevista dada pelo seu pai ao telejornal.
— Eu sei que meu pai não está aqui. Você me enganou, seu merda!
Jéssica parte para cima de Tango despejando toda a sua ira e revolta. O sentimento de ódio a impregnou de tal maneira que ela não se importava mais em viver ou morrer, só queria destruir aquele monstro. Faria um bem para ela, faria um bem para a humanidade.
Antes que Tango pudesse segurá-la, Jéssica o acerta um murro com toda a força adormecida dentro dela, Tango sente um princípio de tonteira, seu corpo amolece, mas rapidamente retorna ao seu estado de alerta, pois Jéssica não pararia de esmurrá-lo caso ele apagasse.
Conseguiu segurar um dos seus braços e a envolveu em seu corpo como um abraço dado pela morte, Jéssica mal podia mexer sua cabeça com o peso do corpo do homem envolta dela. Os braços compridos a apertavam, facilmente conseguiam alcançar a extremidade de uma das mãos à outra devido à força que Tango fazia ao apertá-la junto ao seu tórax.
Esperou que Jéssica se acalmasse e isso levou tempo, esperneava tentando atingi-lo com as pernas e berrava como uma possuída. Suas veias inchavam querendo saltar para fora da pele, seu rosto e garganta se avermelhavam.
Aos poucos Tango sentiu a respiração de Jéssica se acalmar, seu coração batia tão forte e tão rápido que teve medo de uma taquicardia. Jéssica já não gritava mais, talvez pela sua voz ter-se tornado rouca, talvez por sua garganta não aguentar. Tango continuava apertando-a com força, seus pés não tocavam o chão. Já era possível notar as marcas de hematomas pelo corpo, rastros de onde seu agressor a segurara e a apertara.
Assim que todas as forças de Jéssica aparentavam ter se esvaído, Tango sentiu aquele corpo todo tremer, gastara toda a sua energia.
— Você quer saber o que tem dentro daquele quarto?
Jéssica não respondeu, era óbvio, e ela poupou seu próprio corpo de mais um esforço vocal inútil.
Tango a soltou, seus pés cederam às suas pernas que não teve forças para suportar o peso do seu corpo. Tremendo, ela agachou e se recostou na parede, olhando de baixo, Tango aparentava ser ainda maior. Observou-o ir até a porta onde supostamente estaria, com alguns amassados e arranhões, onde supostamente estaria seu pai.
O malfeitor enfiou a mão no bolso e tirou um pequeno chaveiro, mas com uma grossa chave em formato cilíndrico. Colocou-a na porta e girou.
Jéssica escutou o barulho da grande porta ao ser destravada, ruindo e impregnando sua pele, que se arrepiava ao escutar cada decibel daquele ruir.
O quarto estava aberto.
Continua...

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