Folha Letras - E amanhã tem que acordar cedo pra trabaiá
- Atualizado em 03/08/2017 18:37
Era um domingo frio de vento assobiado, virado sudoeste desde o sábado anterior. Ao sopro do novo horário de uma hora mais cedo, acordara pouco após a aurora e, a contragosto, a deixara no plantão de final de semana. E pensou em si, na idade dela, de quando morava sozinho em Atafona, enquanto aprendia a ler os ventos e escrevia versos:
tempo
ver Deus olhando nuvens
do pôr do sol da praia
sopro do vento nordeste
virando terral
virando o mar
virando outro cheiro
virando o tempo
mas tempo é tempo
é nada mais
é só tempo
tempo da morte
tempo da vida
crediário duma
prestação doutra
território do ponteiro
demarcado por mijo monótono
comum lugar do tic
perseguido por tac
e amanhã tem que acordar cedo
pra trabaiá
atafona, 08/12/95

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