Suzy Monteiro
15/07/2017 19:16 - Atualizado em 18/07/2017 14:20
Procurador geral de Campos, José Paes Neto afirma que, se o governo não conseguir resolver o impasse em torno da cobrança da “venda do futuro”, celebrado pelos Garotinho em termos diferentes dos 10% aprovados pela Câmara Municipal e da Resolução do Senado Federal, a situação financeira do Município entrará em colapso já nos próximos meses. Segundo ele, em entrevista à Folha onde esteve junto com o superintendente de Comunicação, Thiago Bellotti, isso pode significar medidas ainda mais duras das que já vêm sendo adotadas. Entre elas, cortes drásticos no Recibo de Pagamento a Autônomo (RPA) e otimização da atuação do servidor público. “A gestão anterior enganou a população e a Câmara”, diz, acrescentando: “Estamos tendo a coragem de pôr o dedo na ferida”.
Folha da Manhã – Como está hoje a situação da venda do futuro?
José Paes Neto – Hoje, a Caixa Econômica tem uma liminar valendo, que obriga o Município a cumprir o contrato da forma como foi celebrado. Houve a decisão da ministra presidente do STJ, que indeferiu nosso pedido de suspensão da liminar. Em paralelo, o Município aguarda um posicionamento do desembargador Marcelo Pereira da Silva. Houve uma interposição de embargos de declaração. No momento, a gente está aguardando a Caixa se manifestar até terça-feira (18). Aí, então, o desembargador vai analisar este pedido. E, muito provavelmente, vai analisar, também, este pedido de assistência que a Câmara fez esta semana.
Folha – Como você enxerga essa interpretação de Robson (Maciel, procurador da Câmara), a grosso modo, de que se é cessão de crédito, só pode usar o dinheiro para capitalização de fundo de previdência ou o município para pagar dívidas com a União. Deste dinheiro, no entanto, a Caixa pega R$ 194 milhões da cessão anterior que havia feito. A partir do momento que ela pega este dinheiro, haveria uma operação de crédito, não cessão de crédito. E a operação de crédito deveria ser limitada a 10% dos recursos advindos da exploração de petróleo e gás. Você concorda com esta tese?
José Paes – A Câmara usou nesse pedido de assistência com dois argumentos: A Lei Municipal, que foi aprovada e que limitava a realização de operações ao que estava disposto na Resolução do Senado...
Folha – Você está falando de duas Resoluções. A de 2001 e de 2015.
José Paes – Isso. A Resolução de 2015 alterou a de 2001 para poder, excepcionalmente, autorizar esse tipo de operação, impondo, dentro do limite de 10% o pagamento. Voltando, a Câmara argumenta justamente em cima da argumentação da própria Caixa Econômica, de que aquilo não era uma operação e sim uma cessão de crédito. Mas, se era uma cessão de crédito, também há a regra, como bem dito pelo procurador da Câmara, de que só poderia ser utilizado para capitalização de crédito e amortização de dívida com a União. Então, a partir do momento que a Caixa Econômica e o Município utilizam parte deste recurso para pagamento da própria Caixa Econômica, é uma argumentação que tem bastante consistência a utilizada pela Câmara. A gente concorda. É um argumento relevante sobre outros vieses que já vinham sendo discutidos dentro do processo.
Folha – Você até falou que ia acionar o Ministério Público.
José Paes – Isso. A gente está finalizando uma denúncia, juntando todas as informações necessárias, para podermos enviar para o MP com o maior número de subsídios possíveis. É uma denúncia relatando o ocorrido, para que o Ministério Público possa, então, tomar as medidas que entender cabíveis com relação aos antigos gestores, sejam da Caixa ou gestores municipais de então.
Folha – Você tem projeção de quando vai entrar no Ministério Público?
José Paes – Ao longo da próxima semana a gente já estará dando entrada. Estamos finalizando o trabalho, juntando as informações. As enviadas pela Câmara também serão objeto desta denúncia. Mas, em relação à questão da Câmara, o mais importante de tudo, é o próprio Poder Legislativo demonstrar ao Judiciário que autorizou que fosse feito: Uma operação no limite previsto na Resolução do Senado.
Folha – Marcão chegou a afirmar que o contrato foi fraudulento. Concorda com isso?
José Paes – Não poderia afirmar que o contrato foi fraudulento. Mas posso afirmar, sem sombra de dúvidas, que o Poder Executivo burlou e fraudou a vontade popular manifestada através da Câmara Municipal. Porque o contrato não representa em nada aquilo que foi aprovado pela Câmara. E não corresponde, sequer, ao que foi objeto da Procuradoria do Município da época. Há um parecer da Procuradoria em um processo administrativo que ensejou a contratação, que dizia de forma expressa, que o contrato tinha que ter uma cláusula limitando o pagamento em 10% ao ano. E o Executivo passou por cima do parecer da própria Procuradoria.
Folha – Vamos voltar um pouco à origem disso, que é política. Toda imprensa nacional repercutiu. A ausência de Clarissa (Garotinho, deputada federal) na votação do impeachment de Dilma, após ter manifestado claramente a favor. Toda imprensa nacional repercutiu um suposto acordo envolvendo o que mais tarde de revelou a venda do futuro. Como você vê isso?
José Paes – Todo cenário que envolveu essa negociação dá a sensação que isso pode ter acontecido. A gente não pode afirmar que aconteceu, mas aparenta que aconteceu. E na denúncia que será encaminhada ao Ministério Público vai ser objeto de análise também.
Folha – Se foi isso, o futuro de Campos foi vendido por nada porque Dilma caiu.
José Paes – Dilma caiu. Não adiantou de nada. Às vezes fico pensando até onde a pessoa pode ir para se manter no poder. O quão irresponsável foi Garotinho quando conjecturou e elaborou este contrato que ele sabia, tenho a convicção, iria levar a essa situação. Logo após a eleição ele já afirmava que, a partir de maio, o Município não teria dinheiro para pagar servidor. E se a gente não tivesse, desde janeiro, optado por não pagar o que estava no contrato e passar para uma negociação com a Caixa para, num segundo momento fazer o pedido dentro do processo, certamente isso ia acontecer em maio. Não teria condições de cumprir com as obrigações. Ele vem dando algumas declarações de que o Município vai chegar a essa situação de caos porque não pagou o que estava no contrato de fevereiro até agora. Na verdade, a gente postergou o problema. Se a gente já tivesse pago, já em fevereiro, o que a Caixa estava cobrando, seria o colapso desde aquela época. O que a gente vem tentando é resolver o problema, mitigando esse dano que ele causou ao município.
Folha – Mas Garotinho também bate muito na tecla de que o contrato foi firmado em maio e que de junho a dezembro Rosinha honrou os pagamentos. E que vocês, a partir de fevereiro não fizeram. Como eles conseguiram pagar isso?
José Paes – Eles pagaram com o próprio dinheiro do empréstimo e utilizando recursos da Previcampos.
Folha – É suposição ou fato?
José Paes – Para mim é um fato, porque você tira dinheiro da Previcampos... Não há, de forma concreta, como dizer que ele pegou dinheiro da Previcampos e pagou a Caixa Econômica. Mas, a partir do momento, em que ele não toma medidas de austeridade para colocar a máquina em dia por conta de uma eleição e sai retirando de forma indevida dinheiro da Previcampos, a fazer obras atrás de obras, lançar projetos, pagar Cheque Cidadão a um número absurdo de pessoas... A gente pode afirmar que foi mantido em dia o pagamento por conta dessas artimanhas. E é importante ressaltar, também, que como o Município já tinha cedido ao Banco do Brasil, em 2014, as Participações Especiais, os pagamentos de junho a dezembro feitos à Caixa eram bem menores. A partir de janeiro e fevereiro é que estes valores aumentaram porque a gente teve que passar a entregar o que seria equivalente a Participações Especiais também à Caixa Econômica.
Folha – Por quê?
José Paes – Porque já tinha vendido para a Caixa. Vou te dar um exemplo do contrato que fixou o fluxo de barril, no ano passado são sempre parecidos (mostrando uma planilha) porque já tinha vendido para o Banco do Brasil. Agora quando começou o ano, em janeiro quando tinha só royalties, manteve. Em fevereiro chega a 192 mil barris. Em maio, 232 mil barris e agora em agosto serão 247 mil barris.
Folha – Quanto é em dinheiro?
José Paes – Em fevereiro deu em torno de R$ 34 milhões. Em maio, algo em torno de R$ 39 milhões. A gente ainda não tem o exato, mas agora já se projeta que passará de R$ 40 milhões. A perspectiva é que, em agosto, a gente receba R$ 60 milhões e entregaria mais de R$ 40 milhões.
Folha – O que isso realmente representa para a situação financeira do Município?
José Paes – Campos executou um orçamento ano passado de quase R$ 3 bilhões. Hoje a gente tem para executar orçamento de pouco mais de R$ 1,5 bilhão, quase 50% menor do que o do ano passado. Outro dado interessante é que, de fevereiro a junho (em janeiro pagamos o valor integral cobrado pela Caixa), a diferença entre os 10% e o cobrado no contrato é de quase R$ 76 milhões. Então, dentro do cenário de um Município com orçamento 50% menor do que ano anterior, você entregar à Caixa R$ 75 milhões a mais, representa um colapso absoluto das contas do município. Mesmo se a gente tivesse um contrato prevendo 10% o Município estaria, como já está, passando uma situação econômica muito delicada. Porque as contas não fecham, era um déficit que iniciou o ano de quase R$ 60 milhões, hoje está um pouco acima de R$ 30 milhões, mas ainda é um déficit considerável. A gente fecharia o ano com uma dívida de mais de R$ 300 milhões. Tem que tomar medidas ainda mais duras que as já tomadas para poder gerir esse déficit. Então, a partir do momento que não consigo mais pagar a Caixa Econômica o que está previsto na Resolução, a gente volta para patamares de déficit até maiores do que começou o ano, o que vai inviabilizar. É uma questão matemática. Não tem de onde tirar o dinheiro. Por mais que não use a totalidade de recursos de royalties para pagamento de pessoal, porque uma parcela é permitido, a partir do momento que não tenho mais essa receita, que representa quase 1/3 do orçamento, para custear limpeza pública, iluminação, água, pagar complementação de hospital contratualizado, instituições sociais, em algum momento vou ter que fazer uma escolha entre usar receita própria apenas para pagar pessoal e não pagar mais nenhuma conta do município, a não ser aquelas que têm recursos federais com destinação específica sobretudo na Saúde, ou então não pagar parte do funcionalismo, ou atrasar momentaneamente, para pagar conta de um serviço essencial que também não pode parar. Se a gente não resolver no campo judicial ou político, em Brasília ou no Rio, vai causar um colapso.
Folha – Dá para coisificar este colapso?
José Paes – Hoje, mesmo pagando os 10%, a gente já tem dificuldade para manter em dia todos os contratos essenciais da Prefeitura. Em agosto, entregando a Participação Especial à Caixa Econômica, na minha visão, a gente já terá situação caótica. Dificilmente a gente chegaria até o final do mês com recursos suficientes para pagar a folha de pagamento tanto do servidor ativo quanto do inativo.
Folha – A gente está falando de fechamento de escola, hospital, creche?
José Paes – Não dá para deixar estas hipóteses de lado. Ao longo deste mês, a gente vem adotando medidas mais duras. O número de prestadores de serviço autônomo já vinha sendo reduzido desde o início do ano e terá um corte drástico. Várias reuniões estão sendo feitas para reduzir. Obviamente, quando a gente tira o prestador, alguns serviços deixam de ser executados. Ao longo do último governo, se inchou a máquina de tal forma, de maneira irresponsável, criando mais serviços e construindo de forma descontrolada. Só que a pessoa esquece que, a partir do momento que construo uma Vila Olímpica, UBS ou escola, preciso de gente para trabalhar, preciso equipar. E, de forma irresponsável, foi-se contratando prestadores de serviço e hoje não se tem condições de manter. Um dos exercícios que está sendo feito é verificar se há alguns programas, alguns projetos, ou até algumas unidades que possam ser fechadas. A gente precisa otimizar a prestação de serviços. O fato de, eventualmente, fechar uma unidade de Saúde, não significa que a população daquela região vai deixar de ser atendida. Temos que otimizar os serviços porque é fato constatado por técnicos da Saúde, que várias unidades foram construídas sem nenhuma necessidade, apenas para atender interesses políticos de determinado vereador.
Thiago Bellotti – Tem unidades que têm três, quatro uma em cima da outra.
Folha – Pode exemplificar alguma?
José Paes – Tem em Três Vendas.
Bellotti – Tem em Mata da Cruz, também, uma do lado da outra.
José Paes – A partir do momento que não teremos mais esses recursos, teremos que tomar medidas ainda mais duras para tentar equilibrar o quadro. Essa é uma preocupação que a gente tem desde o início. Tanto o gestor, os servidores da Prefeitura quanto a população tem que entender que a Prefeitura tem que ser do tamanho que ela pode ser. Se a gente hoje vive com metade do orçamento, tem que tentar ao máximo manter os serviços essenciais com o que tem hoje e não fazer como fez o governo anterior: fingir que a situação de crise financeira não existia e tentar, através de empréstimo atrás de empréstimo, manter situação que não era possível, criando uma bola de neve. A gente tem que ter responsabilidade. Fazer um freio de arrumação e dizer que, se agora a gente tem R$ 1,5 bilhão tem que viver com R$ 1,5 bilhão. Pelo menos, enquanto as medidas que estão sendo adotadas para tentar aumentar a arrecadação não surtirem efeito. Porque medidas neste sentido não vão surtir efeito de imediato. São de medidas de médio e longo prazo.
“Afirmo: governo anterior mentiu”
Folha – Você fala em medidas drásticas. Algumas já feitas e repercutiram negativamente, como o restaurante popular (que, embora se saiba o contexto, municipalizar algo que era do Estado, reabrir no ano eleitoral, sem previsão orçamentária) é fato que milhares de pessoas comiam ali. Cheque Cidadão, Passagem a R$ 1. Onde mais é possível cortar? E como você avalia essa repercussão?
José Paes – Acho que nenhum gestor jovem, que tem ainda um futuro político, tomaria essas medidas apenas com interesse de prejudicar alguém. Se elas foram tomadas é porque não há condições financeiras desses projetos serem mantidos e a gente tinha que ter a coragem e a responsabilidade de adotar as medidas e suspender, reduzir ou revisar os programas. Chega determinado momento que não posso mais cortar porque não posso simplesmente rescindir o contrato do lixo, deixar de pagar o hospital contratualizado. Nosso problema maior hoje é a folha de pagamento. Nossa folha é muito inchada, não se teve a preocupação nos últimos anos. Nós já ultrapassamos o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal para o pagamento de pessoal.
Folha – 54%, certo? E está em quanto?
José Paes – Isso. 54%. Está em 54,64%. E a gente sabe hoje que, por mais que corte todos os programas, readeque os contratos para tentar cortar toda e qualquer gordura, ainda assim a gente tem o problema do inchaço da folha de pagamento. Quer seja do servidor de carreira, quer seja dos RPAs. Por isso, já este mês a gente vai ter uma redução drástica na questão do RPA...
Folha – Ainda este mês? Julho?
José Paes – Já está acontecendo. A gente está conversando aqui e cortes estão sendo feitos agora. A gente já tinha um número menor do que o governo anterior. Mas, diante deste cenário de possibilidade de caos imediato, vai fazer corte drástico e está, também, fazendo revisão muito ampla na Saúde porque é o maior gasto com pessoal. Praticamente 50% de todo gasto com pessoal são da Saúde. Então, vamos sim rever gratificação, fazer toda uma otimização dos servidores para evitar ter que contratar RPAs e estamos intensificando o trabalho de controle de quem efetivamente está trabalhando e de quem não está trabalhando, porque isso já era algo que a gente vinha sentindo, que na Saúde havia muito este problema de falta de pessoal, de as pessoas não estarem presentes. E a gente vem avançando nisso. A licitação do ponto biométrico está para sair nos próximos dias.
Folha – Gerou muita reação em Macaé.
José Paes – A gente conversou muito com o prefeito de lá, Dr. Aluízio. Não temos dúvidas que vai gerar muita reação. Gerou muita lá, mas temos um dado interessante em Macaé: Depois da implementação do ponto, cerca de 300 profissionais da área de Saúde pediram desligamento.
Bellotti – Lembrando que hoje Macaé tem R$ 1,9 bilhão para tocar e a gente tem R$ 1,5 bilhão.
José Paes – E Campos é muito maior. Então, foram 300 profissionais a menos da Saúde e não se tem conhecimento que os serviços lá tenham sido prejudicados. Já era um exercício que a gente vinha fazendo junto à secretaria de Saúde e Fundação Municipal de Saúde e agora vai atuar de maneira mais incisiva. Porque a gente precisa, e sempre foi uma bandeira do prefeito, privilegiar e valorizar o servidor de carreira. Mas tem que privilegiar e valorizar o servidor de carreira que efetivamente trabalha. Aqueles servidores, e é a minoria, que acham que o serviço público é atividade complementar, um extra e que não precisam estar presentes, com relação a eles vamos sim adotar medidas duras. Ou a gente toma essas medidas duras agora para poder colocar a casa no lugar ou vamos acabar prejudicando aquele servidor que trabalha e a gente não quer isso. A gente não pode chegar ao ponto que o Estado chegou.
Folha – Não vamos chegar?
José Paes – Sinceramente não posso dizer a você que não vá chegar a este ponto diante deste contrato feito com a Caixa Econômica. Mas que a gente está tendo a responsabilidade e coragem de, mesmo colocando o capital político em risco, tomar todas as medidas que precisam ser tomadas, para colocar a casa no lugar e, a partir daí, poder avançar, não há dúvidas que a gente vem adotando.
Folha – Mesmo tendo eleição ano que vem?
José Paes – Mesmo assim. Acho que a gente não tem que pensar nisso neste momento, o foco é colocar a casa em ordem.
Folha – Feijó?
José Paes – O próprio Paulo Feijó. A gente está em um momento em que não pode ter partido. Se Paulo Feijó é deputado federal e com base em Campos, independente de ser ou não do PR, a gente tem busca-lo e ter diálogo para que possa ajudar o município e acredito que ele também vem tendo esta postura com a gente. Então, na atual circunstância, a gente tem que ter esta maturidade. Pouco importa se o deputado é do PT, do PR, do PSDB, do PMDB. Se tem condição de trazer recurso para o Município, a gente tem que manter relação. E é o que a gente vem fazendo, inclusive, com deputados que não tem base aqui na região Norte, mas que tem se mostrado solidários ao município para poder nos ajudar.
Folha – Você falou antes da Previcampos. Na auditoria foram identificadas retiradas de dinheiro, mas não se sabia para onde tinha ido. Já foi possível descobrir?
José Paes – É difícil rastrear esse dinheiro porque, a partir do momento em que ele sai dos cofres da Previcampos e entre nos cofres do Tesouro, é difícil identificar de onde aquele recurso foi realmente alocado. Mas o importante nesta questão da Previcampos não é de onde o dinheiro saiu e para onde foi. O problema é que não poderia ter saído. Porque viola as regras de Previdência. Ainda que fosse identificado que a Previcampos devia algum recurso ao Município, essa simples transferência não poderia acontecer. A própria auditoria identificou que alguns valores, algo em torno de R$ 100 milhões, não tinham nenhum documento, processo administrativo algum da Prefeitura que justificasse porque esse dinheiro saiu da Previcampos e voltou aos cofres do Tesouro.
Folha – E qual a situação da Previcampos hoje?
José Paes – A Procuradoria analisa todos os processos relacionados ao Município. A gente encontrou um cenário com muitos processos parados, um volume de processos que não tinham andamento era muito grande. A gente encontrou processos de 2005, 2006. A gente fez um trabalho junto com a secretaria de Gestão Pública para poder otimizar a tramitação desses processos. Os mais simples, e que já têm decisões pacificadas dentro da Procuradoria, são decididos diretamente pelo secretário de Gestão. E a gente foca nos mais complexos. Desde que tomamos essa medida junto com a Gestão, reduzimos muito o acervo da Procuradoria e conseguimos dar andamento aos processos de aposentadoria.
Folha – Pelo que você coloca, passa a ideia de um improviso na maneira como era gerado o município até o ano passado.
José Paes – Não digo que era um improviso, porque era feito propositalmente. Para camuflar determinadas situações. A partir do momento em que você não presta determinadas informações, determinados documentos, somem. Pode parecer, mas não é amadorismo. Você chega numa secretaria de Saúde, que tem orçamento maior que municípios da região, e o controle de saldo de registro de preço de compra de remédios era feito em uma planilha do excel. Não tinha um sistema gerindo. Na Procuradoria, que tem um acervo gigantesco de processos, e você tem um sistema que havia sido contratado em 2016, com 300 processos cadastrados. Sendo que, só na Dívida Ativa, temos mais de 150 mil processos em andamento. E se me perguntar hoje se sei dizer quantos processos existem e que envolvem a Prefeitura de Campos, vou dizer que não sei. Porque não havia controle de processos.
Folha – Isso é grave. Você pode perder prazo.
José Paes – Isso acontecia rotineiramente. A gente vem mantendo diálogo com Promotoria, com Judiciário para poder identificar esses processos. O Município perdia dinheiro por conta dessa desorganização. Quantos processos da área da Saúde, quantos bloqueios judiciais são feitos na conta da Prefeitura em processos. A pessoa pode perguntar qual a diferença que isso faz para o Município. Faz muita. Porque a partir do momento que eu deixo de responder a um processo e há bloqueio judicial para cumprimento de ordem para fornecimento de um remédio, mesmo às vezes eu tendo um processo licitatório vigente, acabo pagando duas vezes por um serviço ou poderia pagar mais barato. Dou exemplo da Procuradoria, mas é extensivo a todos os setores da Prefeitura. A crise financeira é gravíssima, mas o descalabro administrativo é tão grave quanto.
Folha – A gente está falando muito na iminência de caos, caso vingue a venda do futuro nos termos celebrados pelos Garotinho com a Caixa. Pelo que você está falando, o caos interno já acontecia.
José Paes – Sim. Nossa luta diária é mudar a mentalidade interna da administração para que se entenda que a gente precisa ter perfil mais profissional de atuação. Vou te dar outro exemplo que demonstra como isso atrapalhava. Se tinha por hábito, no anterior governo, não responder a nada. A transparência não existia, mas não só com o cidadão comum que queria obter alguma informação ou com jornalistas que queriam ter uma informação mais detalhada. Às vezes não se respondia determinada demanda do Judiciário, Ministério Público ou Defensoria, com receio de que aquilo pudesse causar problema. E por conta daquilo se criava uma série de problemas porque, se não tenho determinado medicamento, preciso informar ao Judiciário e dizer por que. E ao invés de procurar solução conjunta com a Defensoria, ela tinha que ingressar no Judiciário. Se não tenho vaga em determinada escola porque já está cheia, ao invés de tentar arrumar vaga ou informar ao MP, não se respondia nada e aí você tinha demandas e demandas judiciais para obrigar ao Município a fazer alguma coisa que ele poderia ter feito. Então, temos esse trabalho com o servidor, que foi tão amedrontado pelo governo passado, que tem que ser transparente. Isso não vai prejudicar o Município. Pelo contrário. Vai ajudar a encontrar solução. Se não tenho vaga em uma creche, não devo encaminhar, como era feito no governo anterior, o pai da criança para a defensoria, dizendo “Vai lá que é mais fácil resolver”. Isso acontecia. Aí a Defensoria ingressava com demanda judicial e a Prefeitura cumpria. Isso me representa menos R$ 500 de honorários que tenho que pagar a Defensoria. De R$ 500 em R$ 500, teria dinheiro para viabilizar uma vaga nova. São coisas que aparentam ser pequenas, mas que no somatório causam dano administrativo muito grande.
Folha – O governo, desde a campanha, recebeu críticas de ser uma equipe muito nova. Críticas de opositores e, inclusive, de aliados. Críticas que se mantém. Em contrapartida, por tudo que você está falando, não revela modo de governar anterior um pouco envelhecido?
José Paes – Não tenho dúvidas que esse modelo anterior era um modelo viciado, antigo, que não tinha mais condições de prevalecer. E a opção que o prefeito fez de uma equipe jovem, que talvez não tenha a experiência administrativa que outros dizem ter...
Folha – Vai pedir conselho a Garotinho?
José Paes – Pedir conselho para quem colocou Campos no buraco é desnecessário. Se eu quisesse afundar Campos de vez talvez eu pedisse conselhos a ele. Mas, voltando à questão da juventude, talvez se peque um pouco pela falta de experiência, de traquejo político, já que a grande maioria do primeiro escalão é formada por técnicos. Mas, diante dessa completa bagunça administrativa, era momento sim de fazer uma ruptura séria, que, eventualmente, desagrada tanto a oposição quanto o aliado, para tentar dar um novo rumo. Tem um momento que não dá mais para dar um jeito. Ou você rompe, ainda que num primeiro momento possa gerar atrito, ou não resolve. Isso não quer dizer que, o fato de a equipe ser jovem, que não se busque nos mais experientes apoio para enfrentar alguns problemas. E a equipe é formada só por jovens. Existem sim secretários com experiência política, o próprio superintendente de Agricultura, Nildo Cardoso.
Folha – Murilo Dieguez escreveu há duas semanas, em sua coluna na Folha, que faltam ‘cabeças brancas’ no governo. Você concorda?
José Paes – Talvez, e quando a gente erra não tem problema nenhum em reconhecer, falte contato maior com pessoas que já tiveram essa vivência administrativa. Mas são coisas que a gente vai identificando na prática e corrigindo.
Folha – No caso das “cabeças brancas”, a primeira pessoa que citou foi Nildo Cardoso. Curiosamente, as áreas de menores críticas no governo têm pessoas experientes como Nildo, Heloisa Landim (Idosos), Raphael Thuin (Esportes), que apesar de jovem, tem experiência administrativa. Onde tem secretários mais experientes têm mais visibilidade. É coincidência?
José Paes – Na verdade, nas secretarias em que foram herdados mais problemas e mais complexas, problemas que vão demandar mais tempo, como Saúde, Educação, Assistência Social tem pessoas mais jovens. Mas são áreas muito mais sensíveis e que dão trabalho maior para resolver. E é importante destacar, também, que ninguém trabalha de forma isolada. Thuin, por exemplo, tem uma parceria muito boa com Suellen, da Fundação da Infância, que é jovem. Indiscutível o sucesso do trabalho de Thuin, Landin e Nildo, mas talvez seja mais fácil por ter volume menor para ajeitar do que outras.
Folha – O prefeito disse que seria preciso um ano para por a casa em ordem. Esse prazo será suficiente?
José Paes – Se a gente conseguir reverter os 10%, tenho certeza que, com as medidas duras que já tomamos e ainda serão tomadas, tem boa perspectiva de entrar em 2018 com a casa um pouco mais saneada e, a partir daí, desenvolver projetos. Agora, com o contrato da Caixa da forma como celebrado, se a gente não conseguir reverter, preciso ser muito sincero: A situação vai ser muito difícil. Pode durar todo mandato e, digo mais, comprometer os próximos prefeitos. Vai atingir também, o próximo mandatário. Porque a gente está falando, hoje, dentro de um cenário do barril de petróleo com pouco mais de U$ 50 e o dólar a U$ 3,20. Mas amanhã o barril pode estar a U$ 100, o dólar a 4. Ou ser pior ainda e voltar a U$ 20.
Folha – Porque o indexador da transação é barril de petróleo, não é?
José Paes – Vi uma declaração do vereador Thiago Virgílio, de oposição, que disse que, se aumentar a arrecadação, o município vai ganhar mais dinheiro e que é por conta da cotação. Não é. Se o barril for a U$ 150, o Município vai entregar quase tudo à Caixa do mesmo jeito. A mordida é proporcional por causa da irresponsabilidade do governo passado, que camuflou o contrato. É preciso esclarecer a situação: o que foi encaminhado à Câmara Municipal foi um projeto de lei que pedia autorização para fazer uma operação nos termos da Resolução do Senado. E a justificativa que foi encaminhada no projeto era exatamente essa. Limitava em 10% do que a gente arrecada. O próprio Garotinho falou isso inúmeras vezes. Só que a partir do momento que a Câmara autoriza e devolve para o Executivo e o Executivo vai colocar aquilo em prática, a Câmara não teve ciência disso. Contrato celebrado sem a anuência da própria Procuradoria. Não tenho problema em afirmar que o governo anterior mentiu à população e mentiu à Câmara Municipal.
Folha – Em entrevista no último domingo, o Bispo Dom Roberto Ferrería Paz, lembrou que, à época, se argumentava que se não fosse feita a operação, o caos seria naquele momento. O que acha dessa linha de raciocínio?
José Paes – Entendo a linha de raciocínio do bispo, mas o gestor da época deveria ter tido a responsabilidade e coragem para dizer à população que o Município não poderia mais viver como vivia antes. Desde a primeira venda do futuro, em 2014, com o Banco do Brasil, eu tinha a preocupação e escrevi nos artigos aqui na Folha, de que não iria adiantar em nada. Que iria pegar e gastar, até não poder mais pegar e tendo os mesmos problemas, a máquina inchada e ainda tendo que pagar a dívida. Por ambição de se perpetuar no poder, o governo anterior não teve a coragem de arrumar a casa. Mas nós estamos tendo a coragem de colocar o dedo na ferida e tentar resolver o problema, ainda que vá desagradar a muitas pessoas. Porque, ou é isso, ou é o cenário igual ou pior que o Governo do Estado. Ou resolvo agora ou daqui a pouco não terei dinheiro para absolutamente nada.
Folha – A gente falou aqui algumas vezes de Garotinho. Parte da vitória de Rafael, em todas as zonas eleitorais, se deve a demanda por ruptura. Quando a gente vai parar de falar em Garotinho?
José Paes – Alguns podem criticar o que vou falar, mas, politicamente, para mim, ele está sepultado, independente ou não do sucesso do governo Rafael. Não volta a governar Campos. Mas só vamos parar de falar dele, quando conseguirmos ultrapassar esse passado macabro com consequências que teve para nosso futuro. O dia que a gente reverter esse quadro, o dia que operações como a Chequinho chegarem ao fim, a Lava Jato. Aí a gente vai deixar de falar dele, como deixou de falar de vários políticos, como o próprio avô do prefeito. Quando Garotinho assumiu, muito se falava, ainda, de Zezé Barbosa. Ao longo do tempo, as coisas vão avançando e a história vai ficando onde tem que ficar: Na história.