Guilherme Belido
16/07/2017 10:40 - Atualizado em 24/07/2017 17:12
Depois de amanhã completa 50 anos da morte do Marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Contudo, decorridos tantos anos, historiadores não chegaram a um denominador comum. Afinal, Castello deve ser lembrado como um moderador, intelectual e nome mais respeitado do Estado Maior das Forças Armadas; ou reduzido ao primeiro dos presidentes de um dos períodos mais tenebrosos da história política do Brasil – a ditadura militar que durou 21 anos?
Sua morte, ocorrida em 18 de julho de 1967, sepultou consigo dois mistérios que o País vem discutindo no último meio século sem, contudo, chegar a uma conclusão, a saber:
1) Castello quis, de fato, implantar o regime dos porões para que seus colegas de farda governassem pela ponta da baioneta, ou teve em mente, apenas, a deposição do presidente democraticamente eleito, João Goulart (1918-1976), para pôr fim à agitação, resgatar a normalidade e promover eleições diretas então marcadas para 1965?
2) O desastre aéreo de que foi vítima, quando o bimotor em que viajava fôra atingido na cauda pela ponta da asa de um jato de caça da Força Aérea Brasileira, se deu por acidente ou, como muitos suspeitaram, o choque teria sido fruto de atentado cirurgicamente planejado?
Castelo diante do golpe e da morte
As dúvidas, que atravessaram cinco décadas, vão persistir. Não dá para cravar, tanto tempo depois, qual a verdadeira motivação de Castello Branco ante o golpe de 64 e tampouco se o Aztec cedido pelo governo do Ceará, que partiu de Quixadá, do sítio da escritora Rachel de Queiroz, amiga do ex-presidente, para Fortaleza, caiu por acidente ou foi abatido.
Porém, uma coisa é certa: se sua morte foi fruto de atentado e seus sucessores-imediatos, da chamada linha dura, não o queriam por perto (o marechal tinha saído da Presidência há apenas 90 dias, mantivera-se como o nome de maior prestígio do Exército Brasileiro e incomodava por ser contrário à perpetuação dos militares), fica evidente que o animus de Castello, lá em 64, não era a ditadura, mas a restauração da ordem para consequente devolução do País aos civis.
Sob esse ponto de vista (que não é uma afirmação, mas uma inferição), Castello teria que ser, ao menos parcialmente, dissociado dos horrores das torturas, mortes e “desaparecimentos” do período imediatamente seguinte, dos generais Artur da Costa e Silva e (1899-1969) e Emílio Garrastazu Médici (1905-1985).
Suspeição ronda “acidente”
Apesar de a versão oficial ter apontado “choque acidental”, possível “falha do controle de tráfego aéreo” e, ainda, que “ambas as aeronaves estavam no mesmo corredor”, – motivos não faltaram para que fortes suspeitas fossem levantadas.
O tempo estava aberto, havia boa visibilidade e a nebulosidade era mínima. E mais: embora aos voos de caças nos céus do Ceará fossem comuns, o tráfego civil era observado e os jatos mantinham separação visual das aeronaves civis.
Chama atenção, ainda, que o bimotor (atingido na cauda) não tenha sido avistado e que o jato de caça da Força Aérea Brasileira (TF-33), que na colisão perdeu o tanque de combustível da ponta da asa, curiosamente estava vazio, mas conseguiu retornar para a base. O Aztec de Castello desceu em parafuso contra o solo.
Além do marechal, estavam a bordo do bimotor, seu irmão, Cândido Castello Branco; a escritora Alba Frota; o major Manuel Nepomuceno; o comandante Emílio Celso Chagas; e o co-piloto Emílio Celso Chagas, filho do comandante e único a salvar-se, muito embora bastante ferido.
Crise, Castello e a ditadura
No tumultuado 1964, a política brasileira se dividia entre os grupos políticos ditos reformistas, que apoiavam o presidente Jango e cobravam grandes transformações na estrutura econômica do País; e os chamados conservadores, que temiam a implantação no Brasil do que denominavam de ditadura sindical-comunista.
Historiadores alertam que o próprio João Goulart era contrário a medidas mais extremistas, preferindo que as mudanças fossem graduais e menos aceleradas, principalmente nos projetos de nacionalização das refinarias e desapropriação. Contudo, internamente teria sido vencido pela ala mais exaltada, que exigia que as medidas de grande impacto fossem imediatamente adotadas.
Essa ‘radicalização’ acabou por unir setores heterogêneos numa espécie de frente anti-Goulart, que não só apoiava como pedia a intervenção das Forças Armadas. Dela fizeram parte a grande imprensa brasileira, setores produtivos, indústria, a maioria do Congresso, entidades civis, a classe média urbana e os governadores dos três principais estados brasileiros – S. Paulo, Guanabara e MG.
Ressalve-se, o apoio da esquerda à ‘Rebelião dos Marinheiros’, em 25 de março, revelou-se como erro fatal na medida em que transbordou o debate político, dando ao golpe, já em curso, o “motivo” que faltava
Castello – Se de 64 a história se incumbiu, resta aberto o debate quanto à possibilidade de se relativizar até onde Castello Branco, ao liderar o golpe, mirou na ditadura ou se sua morte – esta sim – a viabilizou.
De toda sorte, se a simples presença de Castello e sua natural liderança inibiria a perpetuação dos generais – tanto que não queria Costa e Silva, preferindo Ernesto Geisel (1907-1996) – então o ‘acidente’ veio a calhar.
AI-5 – Um ano depois era baixado Ato Institucional n. 5, dando início aos ‘Anos de Chumbo’, golpe fatal contra a democracia que suprimiu os mais elementares direitos fundamentais e a liberdade dos brasileiros. Foi a legalização da arbitrariedade e o momento em que, àquele tempo, a ditadura no Brasil se consolidou como irreversível.