Aluysio Abreu Barbosa
29/07/2017 18:15 - Atualizado em 01/08/2017 14:13
Dunkirk – Grandes vencedores da II Guerra Mundial (1939/45), EUA e Rússia (herdeira majoritária da extinta União Soviética) são ainda hoje considerados, com razão, os dois países belicamente mais poderosos do mundo. E o que você, leitor, diria se os dois juntos fossem derrotados em campo de batalha por uma outra nação da Terra, sozinha, com direito à conquista de Washington ou Moscou? E se tudo isso acontecesse no espaço de apenas cinco semanas?
Talvez só através desses paralelos se possa hoje dimensionar o que sentiu quem vivia no mundo em 1940, quando os exércitos da Alemanha entraram em Paris como conquistadores, passando sob o Arco do Triunfo construído por Napoleão. Era 14 de junho daquele ano, exatos 35 dias após os alemães iniciaram a“Batalha da França”, na qual, além desta, tomaram Bélgica, Holanda e Luxemburgo, derrotando a reboque a BEF (British Expedicionary Force, Força Expedicionária Britânica).
Grandes vencedoras da I Guerra Mundial (1914/18), França e Grã-Bretanha eram consideradas em 1940, com igual razão, o que hoje são EUA e Rússia. Mas diante da revolucionária “blitzkrieg”, a “guerra relâmpago” baseada em mobilidade desenvolvida pela Alemanha,seus mais poderosos adversários, preparados para uma anacrônica guerra de trincheiras, não deram nem para a saída na Batalha da França.
Como, cinco anos depois, os alemães sobreviventes cruzariam a fita de chegada da II Guerra Mundial como perdedores, há que se supor que erros foram cometidos pela nação comandada pelo líder nazista Adolf Hitler. E o primeiro deles talvez tenha sido permitir a evacuação à Inglaterra, pelo canal da Mancha, de quase 340 mil soldados aliados, ainda atônitos pela velocidade da sua contundente derrota inicial, encurralados sob bombardeio na praia francesa de Dunquerque. Se não fosse a retirada em segurança desses soldados, na “Operação Dínamo”, o resultado final do maior conflito da história humana poderia ter sido outro.
Se nunca saberemos, o certo é que o espírito cívico britânico foi fundamental ao resgate dos soldados presos na França. Com receio de perder seus navios de guerra necessários à resistência contra a invasão alemã considerada inevitável, mas que nunca houve (em outro erro capital de Hitler), a Grã-Bretanha segurou o leme da sua armada rumo ao único atracadouro de Dunquerque, alvo de bombardeios e torpedos inimigos.
Como a Inglaterra é uma ilha, numerosas eram suas pequenas embarcações civis, capazes de navegar sem problema nas águas rasas à beira mar. E, voluntariamente, cerca de 700 atenderam à demanda de sobrevivência militar do país. Vários foram os casos de barcos não maiores que uma sala que cruzaram o Canal da Mancha para resgatar os soldados aliados presos em Dunquerque. Sua única cobertura era dada pelo ar com os caças Sptifire da RAF (Royal Air Force, Real Força Aérea Britânica) que travaram combates encarniçados contra os caças MesserschmittBf 109 da Luftwaffe (Força Aérea da Alemanha) nos céus da França.
Pela terra, pelo ar e pelo mar se desenvolvem e entrecruzam as células narrativas de “Dunkirk”, que estreou esta semana nas telas de cinema de todo o Brasil, incluindo as de Campos. E se basear em dramas individuais, ou de pequenos grupos, para neles evidenciar os aspetos mais trágicos do evento, é a grande virtude do diretor e roteirista anglo-estadunidense Chistopher Nolan, mais conhecido pela trilogia recente de “Batman” (2005, 2008 e 2012).
Se não há super-heróis em “Dunkirk”, o filme exemplifica o que há de melhor e pior no homem, de acordo com as circunstâncias extremas da guerra. Mais referências individuais nos três palcos da batalha do que propriamente protagonistas, o jovem soldado britânico Tommy (Fion Whitehead) é o fio condutor da ação por terra, enquanto outro jovem, o piloto da RAF Collins (Jack Lowden), o faz pelo ar; cabendo o mar ao veterano navegador civil Mr. Dawson, interpretado por Mark Rylance — Oscar de ator coadjuvante por “A ponte dos espiões” (2015), de Steven Spielberg.
Dado interessante no uso de atores é o papel destinado talentoso Tom Hardy, mais conhecido como o protagonista de “Mad Max: Estrada da fúria” (2015), de George Miller. Se já estava irreconhecível ao ser dirigido por Nolan em “Batman: o Cavaleiro das Trevas ressurge”, quando o britânico engordou 14 kg para interpretar o vilão Bane, Hardy atua em “Dunkirk” com o rosto coberto quase o tempo inteiro, na pele do altruísta aviador da RAF Farrier.
Essa curiosidade no ocultar ocorre também com os “vilões” do novo filme: a não ser quando suas silhuetas surgem anônimas no horizonte de Dunquerque, para capturar Farrier, os alemães não são dados a ver em nenhum outro momento. E, como acontece antes do peixe assassino de Spielberg finalmente se revelar em “Tubarão” (1978), o suspense do desconhecido torna ainda mais temíveis os guerreiros no nazismo.
Como já deu inúmeras provas em sua filmografia, Nolan é capaz de prender o espectador na poltrona do cinema nos momentos de tensão. E a “cola” ainda parece mais forte quando se dimensiona que tudo aquilo, sob bombardeio nas areias desesperançadas de Dunquerque, no porão escuro e inundado de um navio torpedeado, ou na claustrofóbica cabine de um avião metralhado, aconteceu de verdade. E, em sua grande maioria, com jovens entre 18 e 20 e poucos anos. Seja pela excelência técnica do diretor, ou do roteiro que ele amarrou na tessitura do evento real, é difícil desviar os olhos da tela nos 106 minutos de “Dunkirk”.
No competente uso ficcional da realidade por Nolan, cabe ressaltar o impacto psicológico causado pelo ecoar estridente da sirene no bico dos bombardeiros de mergulho Stuka. Pensado pelos alemães para levar terror ao inimigo antes mesmo das bombas caírem, com êxito fartamente testemunhado nos relatos dos sobreviventes, é uma viagem no tempo intimidante, mesmo a quem assiste em segurança no outro lado da tela.
O hábito do cineasta em trabalhar com atores veteranos, em papeis aparentemente menores, se mantém com o ator e diretor shakespeariano Kenneth Branagh na pele do comandante Bolton, baseado no capitão britânico William Tennant, personagem capital e real na retirada de Dunquerque. Como também aconteceu de fato uma das muitas cenas marcantes do filme: quando um soldado entra caminhando no mar, até sumir nas ondas de desespero da praia francesa.
Há quem não goste de filmes de guerra. Mas “Dunkirk” é, sobretudo, uma história de sobrevivência. De quase 340 mil jovens soldados e do mundo que suas vidas construíram.