“Atafona tu és bonita, sensual... Ouço a noite o teu gemido quando o mar embrutecido arranca-te pedaço do Pontal. Este mar neste delírio tem ciúme do teu Rio”. No poema do escritor e poeta Jair Vieira não existe separação entre a vida e a arte, e seus pensamentos de outrora parecem descrever bem o atual cenário da praia sanjoanense, cujo avanço do mar já destruiu vários cenários. Desta vez, o adeus ao “Bar do Santana”.
O avanço do mar em Atafona é cenário de décadas, já levou mais de 50 ruas, 200 casas, diversos estabelecimentos e muitas memórias. Tem despertado vários estudos, movimentos e ações. Enquanto pesquisadores apontam diversas hipóteses para o motivo do problema em Atafona, para a maioria dos atafonenses, até mesmo aqueles que perderam suas residências e comércios, algo mais claro explica o fenômeno. “Isso já vem acontecendo, não é de agora. O mar está tomando o que é dele, a gente já esperava”, disse seu José, 64 anos, mais conhecido por Santana, que perdeu seu bar para as águas no último dia 4.
O famoso “Bar do Santana”, localizado na Baixada de Atafona, à beira do Pontal, era mais um daqueles ‘points’ que caracterizam o vilarejo pesqueiro, famoso por sua cerveja gelada e um pastelzinho de primeira. Seu proprietário, José Santana, natural de Campos, é um homem de luta que foi para São João da Barra em 1989, já com proposta de trabalho no comércio. Barman experiente e garçom atencioso, aprendeu e se dedicou muito nos mais famosos bares e restaurantes da praia, até ter a oportunidade de gerenciar seu próprio negócio. Há dez anos, Santana alugou o antigo bar do Almir Largado, uma grande referência na comunidade. Durante esse tempo de gestão, muitos episódios aconteceram, inclusive visitas de personalidades. “Até jogador famoso já esteve no bar!”, conta Santana.
Assim como o “Bar do Bambu”, outro boteco famoso, liderado pelo campista Neivaldo Paes Soares, que ocupou a antiga casa de barcos da família Aquino e fez seu lar por anos, até o mar levar, os dez anos do “Bar do Santana” somam alegria, prazer, cultura, arte e muitos questionamentos sobre a história do Pontal, que desde o último mês tem sofrido uma “nova fase de avanço”. Com a mudança climática e ressaca prevista no dia 24 de maio, o mar começou a atingir o bar do Seu Santana, que já se mostrava atento, porém confiante à situação.
No dia do ocorrido, a Defesa Civil fez um plantão de monitoramento na região e destacou que ninguém estaria desabrigado ou correndo risco de desabamento. Menos de uma semana depois, o cenário já era outro, dessa vez o mar não havia “voltado” como desejado pelos moradores e tomou uma força inexplicável. Santana resistiu até o ultimo dia, marcado no sábado, 3 de junho. No domingo seguinte percebeu que não poderia mais ficar no local, pois o mar já havia tomado conta da estrutura do estabelecimento e um buraco se formado no chão. Pela manhã, com ajuda de amigos, ele retirou todo o material do local e disse adeus ao lugar. Santana segue firme, e sua luta não para por aqui. O espaço físico do “Bar do Santana” pode até estar indo embora, mas sua “alma” continua viva, com direito a endereço novo! Após recolher seus pertences, José Santana logo buscou um novo imóvel, com a prioridade de manter a proximidade com a Baixada. Escolhido o local, uma casa verde, em frente à Pousada Cassino, o sentimento que regeu a arrumação foi a esperança. O novo “Bar do Santana” já começou a funcionar. “Aqui ainda dá pra ficar um tempo bom. O mar no ‘Julinho’ afastou. Com tudo isso, agora estou com mais força para trabalhar”, disse o comerciante com um sorriso tímido no rosto.
Defesa Civil isolou área afetada
Com a saída do Santana, a Defesa Civil isolou o local para evitar acidentes daqueles que se arriscam a observar o cenário e informou não haver necessidade de remoção de nenhuma família. Um monitoramento contínuo é realizado. No entanto, moradores demonstram preocupação com o caso. Ao lado do bar existe a antiga Peixaria do Guri, abrigo da herdeira Érica, que mora no local com seu filho de 3 anos. Ela conta que o comércio da família foi comandado por mais de 50 anos pelo patriarca Valdeni Jorge Nunes, mais conhecido como “Guri”. “Eu não tenho dormido. Me preocupo com meu filho. Tenho vivido pela fé”, afirmou.
Outros três comércios são vizinhos ao antigo bar, dois frigoríficos e mais uma peixaria. Todos continuam funcionando normalmente. Moradores afirmam que os proprietários só sairão dos locais, caso o mar invada. A maioria dos moradores são pescadores, e conhecem muito bem as marés.
Valcineis de Souza, que é pescador e também morador da localidade há mais de trinta anos, conta que na sua casa, o que impede o avanço do mar é a vegetação que restou do mangue.
Revitalização pode sair do papel
A luta pelo projeto de recuperação da orla de Atafona tem ganhado força. Apresentado inicialmente pelo ex-deputado estadual Roberto Henriques, o projeto nasceu com a parceria do Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) e as bandeiras de luta do Movimento SOS Atafona. Em junho de 2015, o projeto foi apresentado ao governo municipal e, em abril deste ano, o assunto voltou a ser destaque. A vereadora Sônia Pereira (PT) chegou a encaminhar uma indicação ao poder Executivo. No dia 26 de maio último, representantes do movimento realizaram uma reunião pública na Colônia de Pesca Z-2, com participação de comunitários, pescadores e a presença da vereadora. A principal pauta da reunião foi o pedido de reforço para a aprovação do projeto. Os participantes fizeram um apelo a Sônia Pereira, para que ela pudesse intermediar a abertura de um canal de diálogo com a prefeita Carla Machado (PP). Na ocasião, a vereadora informou já ter solicitado cópia do projeto pata tentar buscar apoio com outras esferas governamentais e a iniciativa privada.
No último dia 5, um dia após a saída do Santana, a prefeita Carla Machado esteve em Brasília para viabilizar a implantação do projeto.