Jéssica Felipe
03/06/2017 16:35 - Atualizado em 04/06/2017 12:01
Alunos da Escola Municipal Amália Soares de Almeida, na localidade do Carrapicho, na praia de Atafona, em São João da Barra, ganharam uma motivação diferente para ir à aula. Desde que começou a lecionar em 2016, a jovem professora de 23 anos, Melyssa Gregório tem trabalhado atividades que fazem refletir o verdadeiro papel do educador no processo de formação cidadã dos alunos. Para isso, tem usado a contação de histórias ao ar livre com autores locais, buscando a construção do diálogo sobre sustentabilidade, responsabilidade individual e coletiva e autopercepção. Outra atividade é o autorretrato a partir da desconstrução do lápis "cor-de-pele".
A complexidade na relação entre a educação e a realidade da maioria dos alunos da rede pública, tem movido a jovem educadora a propor estratégias relacionadas ao contexto social em que aluno-escola estão envolvidos. Melyssa, que também cursa psicologia na Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita na educação como uma troca constante entre professor e aluno.
— Você só se desenvolve porque você vive em sociedade. Só consegue desenvolver certas operações porque está inserido numa cultura. Essas duas teorias fazem sentido pra mim. Eu acredito que as crianças não chegam à escola cruas, elas têm toda uma vivencia cultural. Então toda vez que eu vou aplicar um conteúdo novo, tento explorar esses conhecimentos prévios, por considerar que a criança já tem um conhecimento e na escola ela só vai direcioná-los para a vida. Cria-se uma romantização da infância, como se as crianças vivessem numa fase perfeita, sem problemas. Não é exatamente isso. Elas têm muita experiência para compartilhar. Então minha maneira de trabalhar parte do principio de dar oportunidade das crianças falarem—, diz a professora, que tem como referencia teórica o construtivismo e o sociointeracionismo, metodologias que trabalham o conhecimento de dentro pra fora e de fora pra dentro.
Antes de propor atividades específicas, Melyssa trabalha a relação de convivência escolar, pensando na escola como a primeira instituição em que a criança tem contato e convívio social. Com isso, a criança absorve as primeiras regras da convivência em sociedade.
— No início do ano dá um trabalho fazer com que eles aceitem e internalizem essa rotina. Criança não se motiva por projeções muito distantes —, afirma a professora que diz que foi dando aos alunos, atrativos para se motivarem a ir à escola, tornando o ato aprender, algo desejado por eles. “Pra você pegar o ônibus com sua avó e saber o valor da passagem, para você escrever um bilhetinho para o seu amigo quando precisar, para você passar na banca e ler a revistinha da Mônica, para usar o whatsapp”, enumerou Melyssa, que acredita que o objetivo é transformar a educação em algo prático para as crianças, para que elas possam ir para a escola com interesse.
A escola como suporte da comunidade
Carrapicho é um bairro do distrito de Atafona que apresenta um cenário de vulnerabilidade social complexo. A Escola Municipal Amália Soares de Almeida, em atividade desde 1996, possui um papel fundamental na relação dos conflitos existentes, principalmente de violência e pobreza.
Segundo a Melyssa, as famílias do local, em sua maioria, têm baixa escolaridade, o que faz da escola um suporte da comunidade.
— A escola entende que seu compromisso no Carrapicho é de orientadora, incentivadora de ações positivas para o bem estar —, destacou a Coordenadora geral da Educação, Graciane Volotão.
No próximo dia 28, a escola vai realizar um Festival de Poesias com o tema “São João da Barra, minha paz em forma de poesia”, trabalhando o cenário local como inspiração literária. Também nesse mês haverá programação ambiental para comemoração da Semana do Meio Ambiente, uma parceria entre a Secretaria de Educação e a Secretaria de Meio Ambiente. Alguns destaques serão a gincana ambiental no Espaço da Ciência, no dia 6, e a Feira do Meio Ambiente no Ciep 265, no dia 9 de junho.
Para Melyssa, fica o sentimento de realização e a certeza do trabalho árduo e contínuo. “Que o conhecimento empodere as pessoas a transformarem suas realidades, formando indivíduos críticos com maior qualidade de vida, tolerância e respeito ao próximo”, finalizou a jovem professora.
Contação de história e o lápis cor da pele
Uma das atividades preferidas das crianças é a contação de história, uma atividade comum na rotina da escola, no entanto, Melyssa tem buscado inovar, para trazer aos alunos algo mais próximo de suas realidades.
Em uma dessas contações, a professora convidou uma pessoa especial, a autora local Izabel Gregório, que foi recebida no pátio da instituição, com uma grande roda. Os livros “A menina e o papel de bala” e “Um certo gato vira-lata chamado Chico” foram a grande atração. As histórias são ambientadas na região, através de personagens fictícios que perpassam por cenário já conhecidos pelos alunos, como por exemplo, o rio Paraíba do Sul.
— Eles ficam mais incentivados a aprender a ler, porque até então os livros e autores usados estão num patamar inalcançável. Ver uma autora de carne e osso traz aproximação à leitura e ao tema — conta.
Um dos exemplos dessas vivências reflexivas do dia a dia com a crianças foi durante a atividade do autorretrato, em uma das aulas de artes, onde a professora buscou fazer algumas provocações a partir de constatações das crianças levando-as a observarem a si mesmas e questionarem conceitos estabelecidos. “Iniciei a aula mostrando alguns pintores famosos que fizeram retratos de si mesmo, como Picasso, Frida khalo e Van Gogh. Questionei sobre as cores, sobre os traços. Em seguida pedi que cada um fizesse seu autorretrato. Foi ai que surgiu o assunto cor-da-pele, quando percebi que eles ainda chamavam o lápis rosa claro assim, de cor-da-pele. A partir disso comecei a perguntar se aquela cor era a cor de cada um, desconstruindo esse sentido. Até porque a maioria dos alunos eram negros, nessa ocasião”, contou a professora.