Guilherme Belido
10/06/2017 15:43 - Atualizado em 12/06/2017 10:13
Como já explicado nas edições anteriores, publica-se neste domingo a 3ª de uma série de cinco entrevistas sobre temas ligados à saúde. A pauta de hoje trata superficialmente de questão que virou febre particularmente entre as mulheres: estética. Diz-se superficialmente pela escassez de espaço relativamente a assunto tão vasto.
Se originalmente partiu-se de motivação saudável – a busca por uma melhor aparência via correções pontuais – não tardou para que o exagero desenfreado atingisse número expressivo de pessoas que a todo custo persegue a tão sonhada e utópica ‘fonte da juventude’.
Sem limites, em tempos mais recentes perdeu-se por completo a linha que divide o plausível do absurdo, prevalecendo a ‘ditadura estética’ – angústia insana que leva milhares a buscar a “solução” na primeira esquina ou no primeiro fundo de quintal.
E entre atalhos e vielas, ao contrário do resultado desejado – o do corpo perfeito – acaba-se, muitas das vezes, por encontrar a deformidade, quando não a morte.
Neste circo de horrores, onde puxadinhos se transvestem de clínicas e pessoas sem qualquer formação se dizem qualificadas para os mais diferentes ‘procedimentos’, a propaganda enganosa que promete o melhor dos mundos a preços de banana, tem levado muita gente a experimentar sofrimento e perda da autoestima. Não raro, pelo resto da vida.
Em outra vertente, que não se confunde com os impostores que se fazem passar por quem não são, vê-se avolumar-se outro tipo de discrepância: a do excesso levado às últimas consequências.
Pessoas com visão deturpada de si mesmas, principalmente do corpo, se mostram compulsivamente inconformadas com a aparência e entram num túnel de insatisfação sem fim, em que cada intervenção reparadora não é senão preliminar à próxima; esta à seguinte... e por aí adiante.
Tenta-se melhorar, por exemplo, algo imperceptível no nariz (levanta, afina, faz e acontece) e fica pior. Aí vem a segunda, para corrigir a primeira, que piora ainda mais. E a terceira... até que o nariz, simplesmente, deixa de ser um nariz.
E mexe na sobrancelha, preenche o “bigode chinês” e retira as linhas de expressão. E tome botox! Lifting facial, levanta as pálpebras, ataca a papada e põe prótese no queixo. E, a última moda, a retirada da bola de Bichat (bichectomia), para afinar o rosto.
Enfim, depois dessa maratona, defronte ao espelho, a pergunta que assusta: Ei! Quem é você mesmo?
+ Sobre o complexo tema, que envolve aspectos os mais sutis, a página ouviu considerações do cirurgião plástico Victor Hugo Aquino de Azevedo, que dispensa recomendação visto que sua reputação o precede.
Com 40 anos de Medicina, Victor Hugo Aquino de Azevedo é formado pela Universidade Gama Filho, com especialidade em Cirurgia Geral no Hospital da Lagoa e residência em Cirurgia Plástica no Hospital dos Servidores do Estado do RJ e no Hôpital Beaucicaut, em Paris (1980).
Fez um ano de estágio no C.T. Queimados no Hospital do Andaraí e é Titular em Cirurgia Plástica pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Pai de Victor Hugo (36), que reside em Campos; de Frederico (32), formado na Unicamp com Mestrado na UFRJ e Doutorado e Pós-Doutorado em Neurociências no Inst. Max Plank (Alemanha) – ora em Cambridge, na Universidade de Harvard; e de Leonardo Casarsa de Azevedo (26), formado pela USP em Ciências Moleculares, com mestrado na Alemanha e também está em Cambridge, onde cursa Neurociências. Sua filha-caçula Barbara, do segundo casamento, faleceu há três anos, aos 4 de idade.
Como o sr. avalia esses procedimentos em excesso, desmedidos, que em muitos casos ultrapassa as fronteiras do minimamente razoável?
Bem, em primeiro lugar quero sublinhar ressalvas [o entrevistado diverge, parcialmente, do texto introdutório, como se vê adiante...] de que uma intervenção leva a uma segunda... uma terceira e por aí adiante. Não é isso. O procedimento de correção ou de valorização estética é um, e ponto. Ocasionalmente, pode acarretar algum retoque pontual. Mas a cirurgia plástica não é uma ação descuidada que vai se ajustando aos poucos. Ao contrário, a intervenção alcança a satisfação desejada e harmônica (o mais próximo da perfeição) em perspectiva única. Por isso é um dos ramos mais técnicos e qualificados da Medicina.
Mas existem os excessos em que o paciente não vê limites e ingressa num círculo sem fim de intervenções... não acontece?
Nenhum excesso é saudável. Se a pessoa está dissociada da realidade, cabe ao profissional alertá-la, mostrar os limites, etc. Mas é preciso definir excesso. Veja: é perfeitamente lúcido que uma paciente faça ao longo de período adequado diversas intervenções, sem que caracterize qualquer excesso. Ela (ele também... falo mais no feminino por ser a maioria) pode corrigir as pálpebras, retirar linhas de expressão, eliminar o acúmulo de tecido gorduroso debaixo do queixo (papada), preencher o sulco nasolabial (bigode chinês), cirurgia plástica de lifting facial contra a flacidez e o envelhecimento... – então, já são meia dúzia de procedimentos sem que caracterize qualquer excesso. E poderíamos acrescentar outros.
Seria, então, o conjunto...
Diria que a busca harmônica, com observância do que é natural. Entenda que o cirurgião pode ser solicitado a fazer um único procedimento facial que, circunstancialmente, resulte em desfavor do cliente. Ou, como mencionei, podem ser feitos 6, 7, 8 procedimentos criteriosos que vão proporcionar bem-estar à paciente, elevar sua autoestima e valorizar a aparência.
Numa definição básica: cada caso é um caso, não?
Claro, claro! E devemos ter todo cuidado para não cair no simplismo. O cirurgião plástico deve ter sensibilidade aguda. É preciso separar o que é necessário, do que é conveniente e daquilo que é – diria – prematuro. Em última análise, conta a saúde do seu paciente... o harmônico. A intervenção não pode atropelar o natural e tampouco o psicológico.
É o exterior afinado com o interior...
Sim. Tudo conta. Você tem que ouvir com muita atenção quando o paciente chega no consultório e se queixa, com razão, de que sua aparência não combina com a maneira como ele se sente por dentro. Entende? São muitas variáveis. O bom profissional é aquele que assimila tudo, resume, e entrega de forma fácil. No fim, o que conta é o bem-estar e a felicidade.
Digamos que a paciente entre em seu consultório e queira colocar uma prótese mamária de 500 ml e o sr., como cirurgião, considere exagerada. O que vai prevalecer? Sua visão ou a vontade da paciente?
Olha, eu vou conversar e mostrar que é inadequado para ela. Tentar fazê-la ver o quadro como um todo, que ficaria desproporcional, etc. e certamente chegaremos a um entendimento – ao equilíbrio.
Mas, e se não?
É uma radicalização hipotética extremamente incomum. Mas não. Não faria. O fato do cliente está pagando (acho que é aí que você quer chegar) não muda o protocolo... o conceito estético. Como cirurgião, não vou além da margem que a Cirurgia Plástica recomenda... Daquilo que a especialidade consolidou como limite. Mas, repito, a gente sempre chega ao consenso.
Sem querer confrontá-lo, pelo que se vê por aí, a mim surpreende que seja “algo incomum”. Apostaria exatamente no contrário... nos exageros.
Não estou dizendo que não acontece. Por isso temos a consulta, a avaliação, etc. Muitas vezes a paciente, num primeiro momento, pensa em algo e depois reflete que não seria o ideal. Mas existem casos de dismorfofobia, que é um transtorno que leva à distorção da própria imagem. Exemplo: a pessoa está num peso ótimo, mas se acha gorda. Aí não tem jeito, são casos excepcionais, que a gente procura encaminhar para o psicólogo.
E quando a intervenção despersonaliza, caso da atriz Jennifer Grey, que após o sucesso com Dirty Dancing (1987), mexeu no nariz e nunca mais fez sucesso, supostamente por ter se descaracterizado junto ao público.
Trata-se do nariz de adunco, curvado. No caso de uma atriz que criou identidade com uma aparência e depois a modificou... é possível. O nariz é um traço marcante que deve estar enquadrado no conjunto.
Casos isolados, é isso?
Sem dúvidas. A cirurgia plástica corrige imperfeições e resgata a autoestima. Tudo com muita segurança e tecnologia, quer nos procedimentos menores, a nível de consultório (preenchimentos de rugas, lábios, gordura, depressões, etc.); ou no centro cirúrgico, para casos de lifting facial, próteses, Lipos, nariz e tantas outras. Mas no episódio do nariz que você relatou, pode acontecer de o ‘ficar melhor’ não coadunar com o rosto.
E existe uma sequência etária de procedimentos? Isso, antes; aquilo, depois.
A questão da idade é relevante, mas a prioridade está no que mais incomoda o paciente. A opção pelos preenchimentos faciais, por exemplo, é uma maneira de adiar o envelhecimento, espécie de paliativo, até porque alguns evitam a cirurgia convencional, de resultado mais duradouro.
E quanto aos riscos e deformações por aplicação de substâncias ilegais para aumentar glúteos, coxa e panturrilha, que se vê todo dia, com consequências arrasadoras?
É um tema vastíssimo, mas resumidamente diria o seguinte: primeiro, qualquer procedimento, por mais simples que seja, tem que ser pelas mãos do profissional qualificado com especialização na área. Logo, o que é feito por curiosos, para não dizer enganadores, eu nem comento. Quanto à aplicação de substância ilegal, como silicone industrial, é simplesmente criminoso. Um lubrificante automotivo! Dizer mais o quê?
E com risco de morte?
De morte, sim. E, quando pouco, passível de consequências as mais devastadoras. Ocorre que o custo muito baixo atrai, em particular, transexuais... enfim. O risco é enorme: infecção, necrose, parada cardíaca e até morte. E é dificílimo de ser retirado.
Mas existem produtos legais que também levam grande perigo...
O mais comum é o Metacril, que não obstante legal e liberado pela Anvisa, não é recomendável. Ao contrário, é bastante combatido devido à baixa qualidade. Mas é usado – indevidamente, diria – em pequenas quantidades para preenchimento corporal e facial. Se aplicado em grande volume – geralmente para aumento de bumbum – pode levar a sérias complicações: nódulos, enrijecimento da região, necrose tecidual e por aí vai. Além disso, trata-se de preenchimento definitivo, com grande chance de rejeição por ser inorgânico.
E quais são os recomendáveis?
Se você me permite a ressalva, a motivação do cirurgião é fazer a plástica facial, de mama, de abdômen... Cirurgia em geral. Esses procedimentos a gente faz... tudo bem.... Mas são ancilares. Nesses casos usa-se o ácido hialurônico sintético, que é temporário, mas de excelente eficácia. Também o ácido polilático (Sculptra), igualmente com bons resultados.