Embora eu me considere um leitor aplicado de poesia e ficção, creio não me enganar ao concluir que a poesia brasileira atual não vive um bom momento. Poetas existem muitos. As pessoas julgam que escrever poesia é fácil. Bastam inspiração e empilhamento de versos. De todos, entendo que o momento é do lúcido Paulo Henriques Brito, que segue as pegadas de João Cabral de Melo Neto.
Evidentemente, não li tudo o que se publicou de poesia em 2016, mas li os antigos, dos quais dei notícia no artigo de abril. Agora, detenho-me nos poetas que publicaram livros no ano passado. Uma delas é Ana Martins Marques, com o “O livro das semelhanças” (São Paulo: Companhia das Letras, 2015). A produção poética atual é muito centrada no “eu poético”. Sei que literatura é um fenômeno humano, que não se conhece nenhuma espécie animal além do homem a escrever. No entanto, o individualismo da atualidade está se refletindo em todas as manifestações humanas.
Ana, pelo menos, sai um pouco de si ao tomar apontamentos (“Ideias para um livro”), partes de um livro (“Capa”, “Nome do autor”, “Título”, “Dedicatória”, “Epígrafe”, “Índice remissivo”, “Colofão”, “Contracapa”) como títulos de poemas, mas logo recai no “eu”. Do seu livro, destaco “Mar”, “Sereia” (de nada te serviriam/joelhos ou pés//o que és é também/o que não és), “Uma caminhada noturna” (há um modo cão de existir no dia/um modo águia ou cavalo ou búfalo/e um pássaro está tão à vontade/na noite quanto na floresta). A autora usa imagens inusitadas e a memória.
Já Fabio Weintraub se apresenta com “Treme ainda” (São Paulo: Editora 34, 2015). No poema “Pés”, ele escreve “no espelho os pés refletidos/são de meu pai/que já não caminha. Assinalei também “Manual de instruções”: “cuidado: ágil/contém material sórdido/feche a porta ao sair/este fado para cima.” E nada mais. Nunca endosso palavras escritas nas orelhas dos livros. Elas parecem escritas sob encomenda.
De Ronaldo Polito, veio a lume “Ao abrigo” (Belo Horionte: Scriptum, 2015). O autor foge ao máximo de si mesmo, mas ainda de forma tímida. Parece que sair de si atualmente é perigoso. Talvez um mundo conturbado absorva a inspiração e o trabalho. Parece que também há pressa e a necessidade de mostrar que se está vivo num mundo de alta concorrência. Em “Ponto final”, o poeta escreve: “Qualquer movimento que fizesse, e o horizonte distante/adaptava-se, indiferente, ao novo ponto de partida.” E na forma de hai-kai: “Um relâmpago./ Escuro. Um homem.”
Em nenhuma passagem de “Com os dentes na esquina” (São Paulo: Portal, 2015). Reynaldo Damazio me motivou anotações. Pareceu-me um livro perfeitamente dispensável. Já Alice Sant’Anna volta à cena com “Pé do ouvido” (São Paulo: Companhia das Letras). Com 29 anos, ela já conta com três livros de poemas. Este, o mais recente, consiste num longo poema em duas partes com temas recorrentes. O principal parece ser o Japão. “Estou escrevendo um poema/você aparece bastante/tudo o que disser pode entrar/é um poema tagarela”. A autora também parece ser muito tagarela no livro.
Carlito Azevedo anuncia algo de arriscado em “Livro das postagens” (Rio de Janeiro: Sete Letras), mas a promessa não me pareceu cumprida. O livro se divide em duas partes. Na segunda parte, mistura poema com foto, partitura e prosa. O exercício transtextual não basta para caracterizar boa poesia.
Restou-me Fabrício Corsaletti com os livros “Baladas” (São Paulo: Companhia das Letras), com ilustrações do cartunista Caco Galhardo, e “Quadras paulistanas”, também editado pela Companhia das Letras e ilustrado por Andrés Sandoval. Eu já conhecia crônicas do autor “Ela me dá capim e eu zurro” (São Paulo: Editora 34, 2014) reunindo crônicas sobre o cotidiano da cidade de São Paulo, principalmente. Creio que minha leitura é insuficiente para uma avaliação sopesada do autor. Pelo que li dele em prosa, entendo que o autor ajuda a mantes vivo o gênero crônica, com Milton Hatoum e Cristovão Tezza, que, por sua vez, escrevem crônicas de alto nível.
O que Corsaletti faz em crônica faz também em poesia. Os dois livros mencionados contêm cônicas em forma de poema, abordando o cotidiano paulistano, inclusive valendo-se de gírias que rimam com palavras portuguesas e inglesas. O autor conhece poesia. Ele se vale da forma “balada”, com redondilhas maiores. Suas rimas nem sempre são perfeitas, mas são justificadas pelo senso de humor que o autor deseja transmitir. Trata-se de poesia de circunstância, mas também permanente. Entre os poemas, são inseridas fotografias de São Paulo, mas não como forma de transtextualidade.
Para concluir, a “Balada para Michael Corleone”, apenas como amostra.