Arnaldo Neto
01/04/2017 22:07 - Atualizado em 03/04/2017 18:10
A comissão da reforma política na Câmara dos Deputados deve ter acesso nesta semana ao relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP) com propostas de mudanças. Ele defende o voto em lista. Neste modelo, o eleitor vota no partido, não no candidato nas eleições proporcionais. Se por um lado há quem defenda a necessidade dessa mudança para fortalecer os partidos, como apontou a vice-presidente do PT em Campos, Norma Dias, por outro há quem assegure que o modelo favoreceria os chamados caciques, conforme analisa o presidente do diretório local do PSDB, Robson Colla. A discussão é ampla. Uma tentativa de blindar nomes desgastados pelas investigações da operação Lava Jato com a lista fechada, garantindo-lhes a prerrogativa de foro, é uma das teses de quem é contra o modelo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) chegou a dizer que “não dá para aprovar nada que tenha cheiro de impunidade”. Já para Rodrigo Maia (DEM- RJ), presidente da Câmara, a lista fechada é transparente e seria “um tiro no pé” a tentativa de algum partido proteger investigados, pois o eleitor pode escolher outro. O cientista político Sérgio Azevedo observa que a lista é adotada em vários países democráticos. Contudo, faz uma ressalva:
— A lista fechada somente tem sentido em um ambiente político no qual a maioria dos eleitores vota no partido de sua confiança e não em pessoas, como no Brasil.
O eixo central da proposta de reforma será a lista fechada e o financiamento público das campanhas. Contudo, o fim da cláusula de barreira e o fim das coligações proporcionais devem ganhar espaço. Esses temas estão em uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de autoria do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que passará a tramitar paralelamente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. O deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB- BA), presidente da comissão da reforma, já chegou a dizer que dificilmente o voto em lista será aprovado e pode ser que não ocorra nenhuma mudança no sistema para eleição de 2018.
O cientista político Sérgio Azevedo observou que, apesar do debate necessário sobre a reforma, o assunto só voltou à tona a partir do vazamento de suposto envolvimento de dezenas de parlamentares e de diversos ministros federais com escândalos de corrupção, entre eles o chamado caixa dois. Azevedo, que é contra a lista fechada no Brasil, diz não acreditar ser impossível que o desespero de políticos temerosos pela punição faça com que eles optem “por um sistema político capaz de resguardá-los”. Ele lembrou, também, que os presidentes FHC e Lula (PT) eram favoráveis à reforma política ao iniciarem suas gestões. Entretanto, o debate, com toda sua complexidade, não avançou:
— A resistência do Congresso se deve ao fato de que é impossível prever todos os efeitos não esperados (positivos ou perversos) de uma nova política regulatória dessa envergadura, o que faz prevalecer, na melhor das hipóteses para os políticos, a máxima de que “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”.
Para petista, proposta fortalece os partidos
“A reforma política é a espinha dorsal para todas as demais reformas, por isso defendemos uma Constituinte exclusiva para a reforma política, onde a sociedade elegerá representantes diversos dos que hoje estão no Congresso para a construção de um novo modelo”. A afirmação é da vice-presidente do diretório do PT em Campos, Norma Dias. A petista é a favor do voto em lista fechada a partir do próximo pleito.
Para Norma, o modelo atual de voto é “personalístico, despolitizado, fazendo com que a maioria dos eleitos sejam os candidatos com mais recursos e não os com melhores propostas para a sociedade”. Com relação ao possível favorecimento de políticos investigados na operação Lava Jato, a petista acredita que mudança no sistema não pode ser contaminada pela conjuntura . “O que deve ser feita são medidas de impedir aqueles envolvidos em malfeitos de participarem dos pleitos”.
O voto em lista é uma defesa histórica do Partido dos Trabalhadores, segundo Norma:
— Além de tornar mais fácil a fiscalização e baratear as campanhas eleitorais, esta proposta fortalece os partidos, fazendo com que haja mais coerência ideológica dos eleitos. Como positivo, também, faz com que o eleitor tenha mais clareza de qual partido defende às suas aspirações.
Voto distrital é modelo defendido por tucano
O antagonismo entre o PT e o PSDB se repete, em Campos, nas opiniões com relação ao novo modelo político. Enquanto Norma defendeu a lista fechada, o presidente do diretório tucano Robson Colla é totalmente contra:
— O voto em lista não cabe na política brasileira, tal qual se encontra hoje. Será uma forma de perpetuar no poder os caciques dos partidos. Perde-se a representatividade.
Robson acredita que “no Brasil, o voto é menos partidário e mais pessoal”. A relação, para ele, fica clara quando nem todos os políticos seguem o ideal da legenda na qual estão filiados. “Muitos sequer leram os estatutos de seus partidos. Mas o problema é exatamente esse: hoje temos poucos partidos políticos e muitas siglas partidárias. Me orgulho de estar no PSDB há 19 anos e jamais ter sido de outro partido. Sou um tucano de corpo e alma”.
Para Robson, a classe política do país não está amadurecida para adotar uma mudança de grande magnitude, mas ressalta que há necessidade. “Eu defendo uma profunda reforma política, com cláusula de barreira, para que possamos ter menos siglas partidárias e mais partidos políticos; com coincidência nas datas eleitorais, votando-se a cada quatro anos de vereador a presidente; o fim da reeleição; o voto distrital; o fim do fundo partidário e o fim do foro privilegiado. Acho que já seria um bom começo”.
“Lista fechada é transparente”
Folha da Manhã — O debate sobre a reforma política volta à tona em Brasília. Vem ganhando força a proposta pelo voto em lista fechada. Qual a sua opinião sobre esse modelo? É o melhor ou seria de transição? Em sua opinião, qual deve ser adotado?
Rodrigo Maia — O fortalecimento do debate em torno da reforma política ocorre, entre outros motivos, porque o nosso modelo é insustentável. Não pode ser considerado bom um sistema em que o eleitor vota em um candidato que defende algo e, por conta da coligação, muitas vezes acaba elegendo um que pensa o oposto. Aliás, o sistema atual, com a possibilidade de coligações em eleições proporcionais é muito menos democrático, com candidatos eleitos com pouquíssimos votos, enquanto outros, que não alcançam o coeficiente eleitoral, ficam de fora com muito mais votos.
Além disso, a decisão do Supremo de proibir o financiamento de campanhas por parte de empresas mudou todo o cenário na política. Dentro da realidade atual, apenas com o financiamento público, o sistema que mais se adequa é a lista fechada. É uma eleição mais barata e permite ao eleitor saber com clareza qual o grupo de candidatos que vai se beneficiar com seu voto. Podemos debater o voto distrital também. Há vários modelos que estão consolidados em países na Europa, por exemplo, que poderiam ser testados no Brasil.
Folha — Há quem defenda que a proposta de voto em lista fechada tem como objetivo facilitar a reeleição dos parlamentares que estão desgastados pelas investigações da Lava Jato, evitando, assim, a perda da prerrogativa de foro. O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB) chegou a dizer que “não dá para aprovar nada que tenha cheiro de impunidade”. Segundo ele, esse não seria o momento para tal mudança. Você concorda? Como avalia tal declaração?
Maia — Respeito muito a opinião do ex-presidente Fernando Henrique, que tem muito a contribuir para o debate, mas considero que a principal característica da lista fechada é sua transparência. Não vejo como associá-la a uma suposta tentativa de impunidade ou qualquer coisa do gênero, simplesmente porque ela vai deixar explícita a iniciativa. Se um eleitor souber que um determinado partido optou por proteger pessoas com problemas com a Justiça, ele escolhe outro partido, com outra lista. Temos dezenas de legendas, com uma grande variedade de possibilidades, inclusive algumas que não têm representantes no Congresso. Portanto, o partido quiser blindar investigados vai acabar dando um tiro no pé.
Folha — De maneira geral, o eleitorado brasileiro e os políticos são fiéis a ideologias partidárias?
Maia — De uma maneira geral, os partidos brasileiros precisam ser fortalecidos, e a lista fechada cumpre esse objetivo. Para ganhar força, as legendas terão que ir às ruas, promover filiações, chamar para o debate interno para melhorar a qualidade de sua lista e, consequentemente, de sua representatividade.