Daniela Abreu
19/03/2017 16:35 - Atualizado em 22/03/2017 12:32
A publicação favorável à instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das desapropriações da área onde foi implantado o Porto do Açu parece ser o início de um final, senão feliz, pelo menos mais satisfatório para os produtores rurais do 5º distrito de São João da Barra. O projeto foi apresentado pelo deputado estadual Bruno Duaire (PR) em fevereiro deste ano, logo após a prisão do empresário Eike Batista sob denúncias de negociatas com o então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que teriam lhe rendido facilitações na implantação do Porto. O projeto ainda vai a plenário em data por enquanto indefinida e, segundo Bruno, serão cinco deputados a compor a comissão, um escolhido pelo presidente da casa, deputado Jorge Picciani (PMDB) e outros quatro definidos por ele.
Durante a CPI, o deputado espera investigar e desvendar pontos que são alvo de dúvida não só dele e dos produtores do 5º distrito, mas de toda a população, como os valores fixados pelas terras, a votação que aprovou a criação do distrito industrial, o uso da Polícia Militar nas desapropriações e na vigilância de área privada. Ao final, o esperado é a devolução das terras ou o pagamento justo por elas.
Segundo Bruno Dauaire, deverão ser chamados por ele, para compor a comissão, deputados com conhecimento sobre a área em questão. “Pretendo que sejam pessoas que conheçam o assunto, que já estiveram à frente dele e tem alguns deputados que conhecem bastante do assunto”.
Para o deputado, a primeira linha a ser debatida e investigada será o valor pago pelas terras e se isso teria ou não a ver com as “facilitações” que teriam sido concedidas por Cabral a Eike. “O Ministério Público Federal e a Polícia Federal já disseram que houve facilitações no processo de instalação do Porto. Então, a gente quer saber que tipo de facilitação foi essa, se isso tem a ver com os valores das terras”, comentou.
Será ainda objeto de investigação a possível criação de milícia armada, objeto de ação movida pelo procurador da República, Eduardo Oliveira, com o uso de policiais militares para patrulharem em veículos particulares, a área do Porto.
O projeto de resolução para a instalação da CPI das Desapropriações foi publicado no Diário Oficial do último dia 15. A partir da instalação a comissão terá 90 dias para concluir os trabalhos, prorrogáveis por mais 60.
Mudança de zoneamento é questionada
Durante entrevistas para matéria publicada pela Folha da Manhã em fevereiro deste ano, uma das denúncias de irregularidade no processo de desapropriação foi a criação do distrito industrial de São João da Barra. Segundo Bruno Dauire, toda a área era agrícola e foi aprovada por vereadores, em caráter de urgência, em sessão no dia 31 de dezembro de 2008, à noite, sem conhecimento amplo da população ou discussão prévia.
— Sem essa Lei, que tornou aquela área industrial, jamais o Estado poderia ter declarado que aquela área era de utilidade púbica, para fins de distrito industrial. Porque, até então, era uma área agrícola. Não se sabe o motivo de uma lei de tamanha importância, que muda o zoneamento do município, de um distrito inteiro, ter sido votada na calada da noite, sem a discussão necessária, na véspera do réveillon e após o processo eleitoral — disse Bruno.
O ex-prefeito de São João da Barra, José Amaro Martins Souza Neco, que à época era presidente da Câmara, disse que recebeu o pedido em caráter de urgência, colocou o projeto em pauta e em análise das comissões, que aprovaram para a votação dos oito vereadores que compunham a Casa.
Carla Machado diz que não houve negociata
A atual prefeita do município, que também era prefeita durante a mudança de zoneamento no Açu, Carla Machado (PP), afirmou em entrevista ao RJ InterTV 1ª Edição, no quadro “E agora, prefeito?”, que não houve negociata entre ela e o ex-proprietário da LLX. A entrevista foi ao ar em fevereiro deste ano.
A atual prefeita disse que recebeu R$ 130 milhões em compensação ambiental e social, com construção de estradas, terminal pesqueiro e outras obras de infraestrutura, como abastecimento de água e esgoto e criação da Vila da Terra. Carla disse que sua única participação foi na criação do distrito industrial.
— Tenho certeza que negociata não houve no campo municipal, na minha gestão, onde o município alavancou e hoje é alternativa de desenvolvimento e crescimento não só de SJB, mas de toda região Norte e Noroeste Fluminense. O único envolvimento que eu tive, porque o município não dá licença ambiental, foi a transformação das terras que antes eram rurais em áreas industriais, o que agrega também valor a terra — disse a prefeita.
Esperança de produtores foi reacendida
No dia 19 de fevereiro deste ano, a Folha da Manhã publicou matéria sobre a expectativa dos produtores de que a Justiça analise os processos que correm sob sigilo de justiça no Ministério Público Federal e anule as desapropriações. A esperança foi reacendida após a prisão de Cabral e Eike Batista.
Em 2009 o empreendimento do Porto do Açu começou a ser construído no litoral de São João da Barra, no Norte do Estado do Rio de Janeiro e trouxe consigo o progresso irrefreável, alterando paisagens e vidas de quem, por gerações vivia no local. Para criar espaço para o projeto, o Governo do Estado, à época comandado por Sérgio Cabral, desapropriou 90.000 km² de terras. A área, que seria avaliada em R$ 1,20 bilhão, teria sido vendida por R$ 37 milhões dos quais o Estado teria recebido somente R$ 5 milhões. No impasse pela terra, segundo dados dos próprios produtores rurais do 5º Distrito de São João da Barra, cerca de 30% das 1500 famílias teriam recebido 80% do valor referente à terra desapropriada. As demais não receberam nada, no entanto, nem todos saíram de suas posses.